ONU aprova direitos indígenas na condição de não serem obrigatórios

Os países integrantes do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) só aprovaram sugestões, e não obrigações sobre direitos indígenas. A Declaração das Nações Unidas Sobre os Povos Indígenas levou 20 anos para ser elaborada e só em junho foi concluída. Para ser validada, precisará ainda ser aprovada pela Assembléia-Geral da ONU, que se reúne no próximo mês.

Entre os direitos estabelecidos pela declaração está a auto-determinação e a autonomia indígena sobre os territórios e recursos naturais. Apesar de constar no documento, os países não chegaram a um consenso sobre a questão. A declaração, se aprovada, não terá caráter obrigatório, mas consultivo. Ou seja, os países devem seguir as recomendações, mas a aplicação não é obrigatória.

“Esta mudança foi essencial para que as nações favoráveis ao documento conseguissem finalmente a adesão de outros países e, assim, a aprovação no Conselho”, conta o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Saulo Feitosa. Ainda que não tenha caráter obrigatório, ele avalia que “por ser da ONU, tem uma importância política muito grande, um peso político grande”.

Feitosa não comenta os pontos que tiveram que ser retirados para conseguir fechar o documento, mas afirma que houve mudanças principalmente na redação dos termos verbais. “Você diz deverão os países agir de tal forma e não “tem que agir”.

A discussão toda é a forma em que se iria se redigir o documento. “A disputa maior foi no tempo verbal. Muita coisa aparece lá como possibilidade. O Canadá, por exemplo, queria um caráter de recomendação e não de afirmação”. O Canadá e a Federação Russa foram os únicos países a votar contra o documento.

Ainda assim, representa “mais um passo importante da luta dos povos indígenas, mais um marco. A declaração consolida, vem consolidar um acúmulo, de ir colocando o assunto nos documentos internacionais”.  Para Feitosa, o mais importante está resguardado pelo texto: “A segurança, o respeito à pluralidade e a diversidade e auto-determinação”.

Feitosa conta que o mesmo problema ocorre na Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação à Declaração para os Povos Indígenas. “As questões políticas já estão, mais ou menos, consolidadas”.

Países da ONU temem autonomia dos povos indígenas

Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Argentina, além da Federação Russa e do Canadá temem que a “soberania nacional” seja ameaçada pela autodeterminação plena dos povos indígenas. O receio é de que isso seja uma ameaça à soberania e à garantia dos direitos de terceiras partes.

A autonomia dos povos indígenas foi o ponto mais polêmico da Declaração das Nações Unidas Sobre os Povos Indígenas. Somente o Canadá e a Federação Russa votaram contra a conclusão do documento pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), apesar de outros países também não concordarem totalmente com o teor do documento. Para ser validado, terá ainda que ser aprovado pelo plenário da ONU, que deve se reunir em agosto.

A declaração inclui nos “direitos indígenas” a auto-determinação e a autonomia sobre os territórios e recursos naturais. Alguns países integrantes do conselho temem uma violação da integridade nacional. Por isso, não houve consenso no documento final. Brasil, Reino Unido e França, em princípio eram contra, mas acabaram convencidos pelos representantes indígenas. Houve dez abstenções.

Foram necessários 20 anos de discussão até a redação final da declaração. “Os países tiveram a oportunidade de produzir um acúmulo na compreensão das políticas de direitos indígenas. A maioria dos países se abriu para a percepção da importância desses direitos”, conta o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Saulo Feitosa.

Pelo longo tempo, ele aposta que a Assembléia-Geral da ONU vai acatar a recomendação do conselho e aprovar o documento. “Acreditamos que sim. Depende agora da capacidade de mobilização e articulação do movimento indígena internacionalmente”, ressalta.

No entanto, reconhece que a discussão pode se prolongar ainda mais já que “alguns países temem problemas para a soberania”.

Declaração não deve alterar direitos indígenas no Brasil

A Declaração das Nações Unidas Sobre os Povos Indígenas, elaborada pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), não deve trazer alterações na legislação, nas políticas brasileiras ou na maneira como o país vem tratando os direitos indígenas. A afirmação é do vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Saulo Feitosa.

Ele explica que o Brasil “já tem uma legislação indigenista bastante avançada”. Os avanços foram trazidos pela Constituição de 1988, que “mudou radicalmente a forma de relacionamento entre os povos indígenas e o Estado brasileiro”, afirma.

Antes da Constituição, os povos indígenas brasileiros eram vistos legalmente como uma “categoria transitória que deveria ser integrada à comunhão nacional”, ou seja, prevalecia ainda a idéia – trazida pelos colonizadores portugueses – de que os índios deveriam ser integrados à cultura “civilizada”, branca.

A Constituição rompe esse pensamento. As novas leis “acabam com essa visão e passam a afirmar que os indígenas são povos diferenciados e têm o direito de manter suas tradições e continuar existindo desta maneira entre os povos. Esta mudança substancial veio junto com as garantias territoriais”, destaca o especialista.

Porém, um aspecto da legislação brasileira é “diferente de outros países”, ressalta. Apesar de garantir o direito à terra, a Constituição assegura o “usufruto das terras”, mas a propriedade é da União e não do povo indígena.

Na Convenção 169 e na declaração, os direitos ao território estão assegurados. Feitosa frisa que o principal benefício que o documento pode trazer aos indígenas brasileiros é o reconhecimento internacional desses direitos, o que ajuda na garantia nacional dos mesmos. Com a declaração, “as tentativas de alguns parlamentares de reduzir os direitos indígenas podem ser contestadas. É um instrumento para evitar que o parlamento altere a Constituição e retire direitos já conquistados”. A declaração, aprovada pelo conselho, ainda será votada pela Assembléia-Geral da ONU.

Não é ainda uma vitória, mas “um avanço na articulação do movimento e da força que está ganhando em alguns países como a Bolívia, que elegeu um presidente, do Equador, que possui uma grande mobilização e do Brasil que a população indígena – apesar de ser minoritária -, tem capacidade de se articular com outros segmentos", diz.

STF vai julgar ações judiciais que impedem a conclusão da demarcação da TI Raposa-Serra do Sol (RR)

Foram julgadas ontem (28/06) no Supremo Tribunal Federal – STF duas ações judiciais (Reclamações nº. 3331 e nº. 3813) que pedem que todos os processos relativos à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, sejam por ele analisados. Por dez votos a um, os ministros do tribunal decidiram ser de sua competência o processamento e julgamento de diversas ações que questionavam a validade da Portaria nº. 534, do Ministro da Justiça, que estabelece os limites da área indígena.

Desde 2004, deputados e fazendeiros da região vêm questionando o processo demarcatório da terra indígena junto ao STF, o que atrasou a conclusão do processo administrativo. O mesmo acontece, há mais tempo, na Justiça Federal de Roraima, na qual já foram ajuizadas diversas ações pedindo a nulidade da demarcação da área, sob o argumento de que isso estaria lesando o patrimônio público estadual, já que supostamente se estaria reduzindo substancialmente a área do Estado de Roraima. No começo do ano passado, no entanto, o STF julgou improcedente todas essas ações, abrindo caminho para que o processo administrativo de demarcação fosse finalizado .

Apesar disso, desde o ano passado a Justiça Federal em Roraima vem proferindo liminares em diversas ações possessórias interpostas por fazendeiros locais, que não aceitam a demarcação da TI e se recusam a sair da área, mesmo com o pagamento das benfeitorias pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Essas liminares vêm atrasando a finalização do processo de regularização fundiária da área e expulsando indígenas de aldeias que estão dentro dos limites da terra indígena. Em todas as suas decisões o juiz argumenta que o processo administrativo de demarcação é inválido, baseado exclusivamente nas conclusões de um laudo pericial que, além de haver sido apresentado em um processo já julgado extinto, ainda apresenta graves falhas de metodologia e de conteúdo, como ficou demonstrado em análise efetuada por técnicos do Ministério Público Federal.

O relator das duas ações em curso no STF, ministro Carlos Ayres Britto, entendeu ser de competência daquela corte julgar todas as ações possessórias que tenham como objeto disputa por terras inseridas dentro dos limites da TI Raposa-Serra do Sol. Esse posicionamento, aliás, havia sido exposto no julgamento de outras ações parecidas, o que apenas confirma a coerência da decisão de ontem. O único ministro a divergir dessa posição foi Marco Aurélio Mello que entende ser de competência dos juízes de primeiro grau julgar ações possessórias, mesmo que incidam dentro de terra indígena homologada.

Espera-se agora, que a decisão do STF seja respeitada, e que todas as ações sejam realmente julgadas de maneira uniforme pelo tribunal. A decisão, vai contrariar o Juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara Federal de Boa Vista, que em várias ações possessórias interpostas por fazendeiros deferiu medidas liminares quase idênticas, nas quais alega ser de competência da Justiça Federal de primeira instância o julgamento de tais casos, apesar de decisão anterior do STF determinando o contrário. Segundo seu magistério, "nunca, jamais, em tempo algum da história constitucional republicana esta matéria (disputa sobre direitos indígenas) foi de competência originária do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como penso haver demonstrado em trabalho acadêmico" (Decisão Liminar no Processo nº 2006.42.00.000098-7 e no Processo nº 2006.42.00.000737-0, ambos em curso na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima).

O processo de desintrusão, realizado pela Funai e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), é a última etapa do procedimento demarcatório. Leia mais. No caso da Raposa-Serra do Sol, está longe de terminar, apesar do esforço concentrado de ambas as instituições. Há ainda várias liminares da Justiça Federal de Roraima que impedem a continuidade do trabalho. Com a decisão de ontem, esses processos serão julgados pelo STF, que deverá avaliar se há fundamento para mantê-las ou não.

Justiça confirma decisão de suspender Belo Monte

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, negou pedido do governo para revogar a decisão do juiz federal Antonio Carlos de Almeida Campelo, de Altamira (PA), que mandou suspender o processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte. O pedido de suspensão partiu do Ministério Público Federal no Pará.

O Tribunal em Brasília considerou que a decisão do juiz de Altamira estava correta, já que, após tramitação-relâmpago no Congresso Nacional, o decreto legislativo aprovando estudos preliminares e a posterior construção da usina foi feito sem consulta aos povos indígenas e às populações tradicionais que seriam atingidos, o que é exigido pela Constituição.

Em sua decisão, o juiz Avio Mozar José Ferraz de Novaes considerou que não era razoável gastar dinheiro público para custear estudos sobre uma obra que poderá nem sair do papel. “Ouvir as comunidades indígenas é fundamental, já que poderá implicar a utilização de dinheiro público na realização de estudos que nada produzirão, se não houver concordância das populações”, afirmou Novaes.

A confirmação da suspensão é uma vitória para a Amazônia, para o rio Xingu e para o seu povo. “A decisão da Justiça vem ao encontro dos anseios das entidades da região, que pensam o desenvolvimento baseado na distribuição da renda e no uso da floresta em pé”, afirmou Tarcísio Feitosa, da Comissão Patoral da Terra. Feitosa foi um dos ganhadores da 17a edição do prêmio Goldman, o principal prêmio ambiental do mundo, pelo seu trabalho para a criação de um mosaico de áreas protegidas na Terra do Meio, no Pará. “Belo Monte ia fazer um estrago imenso, não só socioambiental, mas também econômico, pois desestruturaria o sistema de agricultura familiar existente na região”, completou.

Para os procuradores da República que entraram com a ação, a pressa das autoridades para aprovar o empreendimento é incompreensível. “Não conseguimos compreender por que as autoridades correm com essa obra, atropelando as exigências legais”, disse o procurador Felício Pontes. “Por que tanta urgência? Se o projeto for realmente bom e importante para o país, qual o problema em debatê-lo com as comunidades afetadas?”, questionou.

O Greenpeace já havia entrado com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra a hidrelétrica, e vai continuar atento no acompanhamento do caso, já que há setores do governo que querem fazer a obra de qualquer jeito. Mas até o presidente Lula, no último dia 5, declarou que não se pode atropelar o licenciamento ambiental. “Temos grandes projetos no Brasil com problemas sérios e, muitas vezes, quando um licenciamento prévio é negado, é porque se sabe que, se o Ministério Público for acionado, a primeira coisa que será colocada em disponibilidade serão os bens de quem autorizou”, afirmou.

Para o Greenpeace, a geração de energia na Amazônia deve estar baseada em soluções locais e sustentáveis. “Deve-se aproveitar o imenso potencial de energia solar da região e, em casos específicos, pode-se pensar na geração a partir de pequenas centrais hidrelétricas sem barramento de rios, e o uso de resíduos de biomassa produzidas de forma sustentável, como de castanha, de coco de babaçu ou outras espécies de oleaginosas”, afirmou Carlos Rittl, coordenador da campanha de Clima do Greenpeace.

PL contrário a demarcações em faixa de fronteira caminha na Câmara dos Deputados

O Projeto de Lei 5684/05, do deputado Fernando Lopes (PMDB-RJ), que determina a aprovação prévia do Conselho de Defesa Nacional para a demarcação de terras indígenas em regiões de faixa de fronteira recebeu ontem, 10 de maio, parecer favorável do relator do projeto na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, o deputado Francisco Rodrigues (PFL-RR). O projeto não foi votado porque o deputado Nilson Mourão (PT-AC) pediu vista. O Projeto de Lei (PL) foi rejeitado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias em outubro de 2005.

Para o Cimi, o PL é inconstitucional porque uma lei ordinária não pode impor restrições a algo determinado pela Constituição Federal, que é hierarquicamente superior a esse tipo de leis.

Neste caso, a restrição refere-se à demarcação de terras indígenas em faixa de fronteira, que não existe na Constituião Federal. Se fosse aprovada, a nova redação da lei nº 8.183 determinaria que só poderiam ser demarcadas terras indígenas a uma distância mínima de 75 quilômetros da fronteira, e exigiria também aprovação do Conselho de Defesa Nacional, órgão de assessoramento do presidente da República, para as demarcações. Veja aqui a íntegra do Projeto de Lei 5684/05

Presidente da Funai pede agilidade ao STF para resolver situação de Guarani-Kaiowá

Os Guarani-Kaiowá foram despejados da terra Nhanderu Marangatu em 15 de dezembro do ano passado, depois que a presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF-SP), desembargadora Diva Prestes Marcondes Malerbi, concedeu liminar de reintegração de posse a fazendeiros.

Em março de 2005, a homologação da área já havia sido suspensa por liminar do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim. A assessoria de imprensa do STF informou que o julgamento do mérito da ação pelo plenário ainda não tem data marcada. O relator do processo é o ministro Cezar Peluso.

O presidente da Funai pediu que o STF decida a questão o mais rápido possível. "O problema é que às vezes demora demais a resolver, então queremos muito que o ministro que está atendendo a esse pleito, esse caso tome uma decisão, ponha em julgamento, como ministro relator, para que isso se resolva".

Mércio lembrou que o processo de homologação da terra indígena, de 9,3 mil hectares, durou cerca de seis anos. Ele disse que a retirada dos índios da região trouxe uma série de problemas, como a morte de quatro crianças.

"Esses índios que foram retirados estão na beira da estrada, estão passando por muitas dificuldades, apesar de a Funai e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) estarem ali presentes, morreram já quatro crianças por problemas de desnutrição, do acomodamento em que estão. É muito ruim para a gente ver isso".

O presidente da Funai deu as declarações durante entrevista coletiva às emissoras de rádio da Radiobrás (rádios Nacional AM de Brasília, Nacional do Rio de Janeiro e Nacional da Amazônia). A entrevista foi transmitida ao vivo por emissoras que compõem a rede Nacional de Rádio e contou com a participação de jornalistas de nove emissoras parceiras.

População indígena brasileira é de cerca de 450 mil, diz presidente da Funai

A população indígena brasileira tem crescido em uma média de 3,5% ao ano, segundo informou o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes. Segundo ele, existem atualmente no Brasil entre 450 mil e 460 mil índios. "Hoje os índios são quatro vezes mais que em 1950, quando se chegou ao mínimo da população indígena brasileira", observou.

Em entrevista hoje (6) às emissoras de rádio da Radiobrás, ele reconheceu que muitos povos indígenas enfrentam problemas relacionados à demarcação de terras ou à área de saúde, por exemplo. Mas afirmou que não há falta de compromisso por parte do governo. "Temos carências, dificuldades, mas não falta de compromissos", disse.

No que se refere à situação fundiária, Mércio informou que cerca 480 terras indígenas já foram homologadas – das quais 55 nos três anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com ele, cerca de 100 áreas estão em processo inicial para que sejam reconhecidas como terras indígenas. "Mais adiante, várias terão de ser encaminhadas para estudos, grupos de trabalho. E outras terão de ser repensadas para ver se de fato são terras indígenas", observou.

Primeira conferência de povos indígenas reúne 800 representantes de 230 etnias em Brasília

O Brasil terá, pela primeira vez, um encontro nacional entre lideranças indígenas: a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, a ser realizada em Brasília, entre os dias 12 e 19 de abril. Participam do encontro 800 delegados eleitos por comunidades de 230 etnias para debater assuntos relacionados à questão indígena e à política indigenista brasileira.

"Todos os índios, mesmo aqueles cujas populações são menos de 200 pessoas, terão um representante", disse o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, em entrevista às emissoras de rádio da Radiobrás.

No ano passado, a Funai realizou nove conferências regionais, em que foram discutidos assuntos de interesse das comunidades indígenas, como autonomia política, educação, saúde e demarcação de terras. Nesses encontros, foram eleitos os 800 representantes dos povos indígenas que participarão da conferência em Brasília.

O evento será presidido por Gomes, como está previsto no decreto presidencial que convocou a realização da conferência. O presidente da Funai adiantou que, na prática, quem vai conduzir o processo serão os próprios indígenas.

"Eu estarei como um presidente, digamos, como a rainha da Inglaterra, os índios é que estarão decidindo esses assuntos", disse. "A pauta, a organização, a temática, a distribuição, o monitoramento, os trabalhos de plenário, todos serão dirigidos pelos índios", explicou.

Segundo ele, o evento será um espaço para que os índios tratem dos principais problemas que afetam as comunidades e para apresentarem suas reivindicações. "É claro que os índios têm uma pauta de reivindicações muito grande, específica de cada povo", observou Gomes. "A carência de cada povo é uma carência verdadeira, mas a gente tem que olhar – e isso é uma das coisas mais importantes dessa conferência – a médio e longo prazo. Estamos preparando uma visão do índio participando da sociedade de uma forma mais digna, no sentido político, do que tem sido até agora", acrescentou.

Tradições e Modernidade

A edição 2006 da Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége, Bélgica, teve como foco a diversidade cultural e o contraste da riqueza étnica do Brasil num mundo cada vez mais globalizado. Entre 18 de fevereiro e 31 de março, os visitantes caminhavam por galerias de fotos, vídeos e instalações que ilustravam um pouco do mosaico cultural brasileiro, com foco especial para os 220 povos indígenas do país e sua biodiversidade. Entre os artistas, estavam nomes consagrados como Cláudia Andujar, Ana Bella Geiger e outros. O Rota Brasil Oeste participou do evento a convite da curadora da exposição “Tradições e Modernidade”, a artista plástica Babi Avelino.

Em sua quinta edição, a Bienal levou um panorama visual completo com mais de dez exposições espalhadas por museus e centros culturais da cidade que tentavam mostrar ao público local um pouco da realidade de um país tão diferente da Bélgica. Com um território de 30mil km2 e apenas 6 milhões de habitantes, 97% deles vivendo em áreas urbanas, as diferenças entre os dois países são enormes. O desafio da Bienal foi este: aproximar dois mundos tão distantes por meio da arte.

Liege_Fernando_Zarur.jpgMontada no Centro Cultural Lês Chiroux, a exposição “Tradições e Modernidade” teve como objetivo destacar a pungente diversidade étnica e o conhecimento das populações indígenas brasileiras levantando as seguintes questões: O que significa ser índio no mundo de hoje? Como as comunidades indígenas vêem a si próprios? Qual sua mensagem e o que podemos aprender com eles?

Considerada um sucesso de público, com uma média de 50 visitas por dia, a exposição foi composta por diferentes módulos. O Rota Brasil Oeste participou, ao lado de outros fotógrafos, de uma instalação com projeção de fotos de Bruno Radicchi, Fábio Pili e Fernando Zarur. A sala, uma das mais visitadas, foi ambientada com música Ava-ara e decorada almofadas para a comodidade do público.

Em entrevista ao Rota Brasil Oeste, Babi Avelino, curadora de “Tradições e Modernidade”,  explica detalhes do evento e qual a importância da questão indígena no contexto cultural europeu atual. Acompanhe:

Porque a escolha do Brasil como tema da Quinta Bienal Internacional de Artes Visuais e Fotografia de Liége?

A direção da Bienal queria homenagear o Brasil, o gigante de contrastes. Um país tão diferente da Bélgica, para talvez assim, dar informações autênticas do que compõem o nosso país. Pois aqui na Europa, para a grande maioria, o Brasil é conhecido só pelos estereótipos. Seria também a oportunidade de apresentar na Europa uma seleção inédita da fotografia e da arte visual brasileira contemporânea que é muito pouco conhecida por aqui.

Como tive a oportunidade de apresentar meu projeto "Tradições e Modernidade" composto por uma exposição coletiva e quatro dias de atividades, pude contar com o apoio do Centro Cultural da cidade para realizar projeto dentro da Bienal. A importância de mostrar o tamanho e a qualidade da diversidade cultural do Brasil através da arte e poder sensibilizar vários tipos de público, várias camadas da sociedade.

Qual a relevância de destacar a questão indígena entre tantas outras?

Liege_Fabio_Pili.jpgNo fundo, eu acho que deveríamos abordar a questão indígena em qualquer evento, mesmo em eventos comerciais ou industriais. Ou principalmente nestes. A questão indígena diz respeito a todos nós, pois é a questão da terra, da biodiversidade, da diversidade cultural, da aceitação do outro. Da adaptação ao mundo que está em constante mudança. Esta ligada à preservação das fontes de vida como a água potável, a floresta, as tradições. É o questionamento da origem, é o passado, o presente. E, mesmo se muita gente dúvida, é o futuro do planeta.

Além disso, podemos abordar as dificuldades vividas pelos povos indígenas, mostrar trabalhos de artistas renomados e dos menos conhecidos sobre estes povos, trazer trabalhos de indígenas para provar que não existe indígena "aculturado" e que mesmo se eles usam ferramentas criadas pela sociedade dominante, eles conseguem reinventar a própria cultura para não perder suas tradições. É também a colaboração entre associações e ONGs belgas e brasileiras. É uma mobilização importante para não se esquecer que o planeta sofre e com ele seus habitantes. É questionamento e militância.

Qual tem sido a reação do público estrangeiro em relação ao Brasil e, em especial, nossos índios?

Como disse antes os europeus tem uma visão bem reduzida do Brasil, eles acham que só existem super ricos e os super pobres. Para eles tudo se resume em futebol, carnaval e meninas. E para muitos os indígenas estão na Floresta Amazônica.

Quando eu falo que há mais de 220 povos diferentes com 180 línguas diferentes, eles não acreditam. Conversando com algumas crianças durante as atividades, percebi que realmente se estranha o que não se conhece. E acho que somente pelo fato das crianças belgas verem fotos de indígenas e verem que mesmo com pintura no corpo, brinco de madeira na orelha e cocar na cabeça, eles também usam roupas, ou guarda-chuva, isso mostra que eles não são tão estranhos assim. Eles devem conhecer para poder respeitar no futuro. Durante a Mostra de vídeo de autores indígenas, muitos adultos saiam sensibilizados e alguns admirados de terem visto filmes realizados por autores indígenas, ver a coisa verdadeira.

Por que o Rota Brasil Oeste foi escolhidos para compor a exposição?

Escolhi o trabalho do Rota Brasil Oeste, primeiro por que ele "re-escreve" uma expedição (Roncador-Xingu) muito importante para os povos indígenas e para o Brasil. Também por que as imagens realizadas mostram de uma forma sincera e poética o cotidiano numa parte do Xingu. Além disso, queria apoiar de alguma forma o projeto que eu acho deve continuar para termos uma documentação autêntica e verdadeira do que acontece dentro das aldeias indígenas depois da criação do Parque.  

Quase um ano depois, não-índios continuam na TI Raposa-Serra do Sol (RR), homologada em abril de 2005

O governo federal não vai cumprir a promessa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e oficializada em decreto assinado no ano passado de retirar, até o dia 15 de abril próximo, todos os posseiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A maior parte dos ocupantes sequer foi indenizada. A regularização fundiária do território de mais de 16 mil Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Macuxi e Patamona é propalada frequentemente pelo Palácio do Planalto como o maior trunfo da política indigenista da administração atual.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), de 2002 a 2005, dos mais de 220 ocupantes existentes na área (o número não é definitivo), apenas 52 foram indenizados por benfeitorias construídas de boa-fé. O governo diz que já tem os R$ 754 mil necessários para pagar outros 25 colonos cujos processos já estão finalizados. Resta ainda terminar os processos de aproximadamente 145 posses, o que a Funai promete fazer até o dia 15 de abril próximo.

A retirada de todos os ocupantes pode arrastar-se ainda por vários meses e até anos – tudo depende da agilidade administrativa, da disponibilidade orçamentária e do andamento de eventuais ações judiciais. Os posseiros podem não aceitar os valores oferecidos como indenização. Neste caso, o dinheiro é depositado em juízo e os ocupantes, de acordo com a legislação, podem ser retirados pelo governo. O problema é que principalmente a Justiça Federal local pode conceder liminares garantindo a permanência na TI. Sobretudo os grandes fazendeiros prometem uma longa batalha judicial por suas posses.

Peregrinação no Planalto

Na semana passada, 13 lideranças indígenas de Roraima estiveram em Brasília e fizeram uma verdadeira peregrinação por vários órgãos da administração federal – Casa Civil, Ministério da Justiça, Funai, Polícia Federal, Ministério do Exército – para encaminhar reivindicações sobre uma série de problemas em áreas como meio ambiente, saúde, educação, segurança e questão fundiária. A TI Raposa-Serra do Sol foi o primeiro ponto da pauta. Os representantes indígenas arrancaram a promessa de que a desintrusão (retirada de invasores) da área seria apressada e que a equipe responsável pelo processo seria ampliada. A PF também avalia a possibilidade de manter um contingente de policiais na região.

As lideranças acusam o governo de ter iniciado muito tarde o levantamento fundiário e a avaliação das benfeitorias: o trabalho só começou em setembro do ano passado. Segundo o coordenador-geral de Assuntos Fundiários da Funai, José Aparecido Donizete Briner, o treinamento da equipe responsável pela tarefa começou já em maio, mas logo em seguida a Fundação enfrentou uma greve de 40 dias. Burocracia e problemas administrativos, como a mudança nos procedimentos de algumas licitações, teriam atrasado ainda mais o processo. “Só para ter uma idéia, levamos 35 dias para alugar um carro. Honestamente, em termos de Funai, um ano é um tempo muito curto. Alguns processos como este levam anos”, justifica Briner. Ele garante que mais quatro técnicos devem se integrar ao trabalho nos próximos dias. Apesar de não informar valores, Briner diz que governo já tem disponível o dinheiro para indenizar todos os posseiros.

O advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), considera que os entraves burocráticos possivelmente impedirão que o governo cumpra a meta por ele mesmo estabelecida. “É incrível como o Estado não consegue realizar uma ação concentrada e articulada, mesmo quando o caso é identificado como prioridade política. Se houvesse planejamento estratégico, pelo menos para este caso – que é usado como bandeira da política indigenista do governo federal – as equipes de campo já estariam treinadas e com verba garantida para começar os trabalhos na semana seguinte à homologação, o que significaria que hoje a maior parte dos posseiros de boa-fé já estariam indenizados e fora da área”, defende. Valle ratifica a avaliação de que, com greves e desorganização, o caso possivelmente se arrastará por um longo tempo.

Clima tenso

Enquanto isso, segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o clima na região está mais tenso – com constantes ameaças da parte de grupos chefiados por grandes produtores rurais que se recusam a sair da área – à medida que se aproxima a data-limite fixada pelo decreto. O CIR divulgou a informação de que seis homens teriam entrado atirando para o alto na aldeia Cumanã I e ameaçando atear fogo nas casas, na manhã do último dia 9 de março. A PF abriu um inquérito sobre o caso. Segundo a organização indígena, os funcionários da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) responsáveis pelo trabalho de campo têm sofrido ameaças. Briner confirma a denúncia e informa que, na semana que vem, os técnicos do governo contarão com escolta da PF para chegar a algumas regiões.

“Desde meados do ano passado, a Raposa-Serra do Sol está sem nenhuma segurança. O posto da PF foi desativado. A situação está ficando mais tensa. Muitos fazendeiros dizem que não vão sair, que vão resistir a qualquer ação para retirá-los”, alerta Marinaldo Justino Trajano Macuxi, coordenador do CIR. Ele conta ainda que grandes produtores rurais estão assentando grupos de indígenas cooptados por eles em locais próximos às suas lavouras para tentar justificar sua permanência na TI e até mesmo a exclusão de trechos de seu território. “Esta situação só será resolvida com a desintrusão total de nossas terras”. O CIR também tem denunciado o apoio dado pelo governo e por parlamentares estaduais aos grandes fazendeiros com posses na área.

Em 17 de setembro do ano passado, alguns dias antes do início da festa pela homologação da TI, cerca de cem homens encapuzados e pintados, entre índios e não-índios, invadiram e destruíram a maior parte dos dois prédios do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, na comunidade do Barro, a aproximadamente 200 quilômetros de Boa Vista. Durante a invasão, quatro pessoas ficaram feridas. No dia 22 de setembro, já durante as celebrações, a ponte de acesso à aldeia de Maturuca, centro dos festejos, foi parcialmente incendiada. A suspeita é que o crime teria sido cometido pelo mesmo grupo.