Y Ikatu Xingu reconhece em campo experiências de sucesso na bacia do Xingu

As visitas têm o objetivo de identificar iniciativas inovadoras que possam servir de exemplo para a disseminação de práticas sustentáveis. O trabalho é parte do estudo sobre agricultura familiar que foi articulado por organizações integrantes da campanha e está sendo desenvolvido na região mediante um convênio firmado com a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Fevereiro foi marcado por uma série de novas viagens de campo de técnicos da campanha ‘Y Ikatu Xingu – que pretende proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do rio Xingu no Mato Grosso – para conhecer iniciativas socioambientais de sucesso que estão ocorrendo na bacia. As visitas têm o objetivo de identificar experiências inovadoras que possam servir de exemplo para a disseminação de práticas sustentáveis. O trabalho é parte do estudo sobre agricultura familiar que foi articulado por organizações integrantes da campanha e está sendo desenvolvido na região mediante um convênio firmado com a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

O estudo surgiu da constatação de que, ao contrário do que se pensava, a Bacia do Xingu no norte de Mato Grosso possui um contingente expressivo de agricultores familiares e "chacareiros", como são conhecidos na região, que estão fora dos assentamentos de reforma agrária e, portanto, carecem de programas e políticas públicas específicas para atendê-los. Os objetivos do trabalho são: fazer um diagnóstico sócio-econômico e ambiental da agricultura familiar, identificar boas práticas sociambientais e avaliar a viabilidade econômica de algumas cadeias de produtos agroflorestais.

Nesta etapa, foram visitadas duas microrregiões com forte presença do segmento, abrangendo os municípios de Guarantã do Norte, Nova Santa Helena e Terra Nova do Norte, na região da rodovia BR-163, e Querência, Canarana e Ribeirão Cascalheira, no eixo da BR-158.

Em Guarantã do Norte, onde predomina a pecuária, os integrantes da mobilização conheceram ações de recuperação e manejo sustentável. Foram visitadas duas propriedades que adotaram o sistema de rotação de pastagens, que requer áreas menores do que o utilizado normalmente e, portanto, diminui pressões por novos desmatamentos. Nas mesmas áreas, também é feito o manejo ecológico, no qual é permitida a convivência do capim com algumas espécies nativas.

Ainda em Guarantã do Norte, os assessores da ‘Y Ikatu Xingu travaram contato com o trabalho de um grupo de pequenos agricultores que vem plantando cana-de-açúcar para a produção de açúcar mascavo. Além de ser orgânica, ou seja, sem o uso de agrotóxicos, a produção também está sendo realizada de forma coletiva, há dois anos, por sete agricultores. O grupo cultiva oito alqueires de terra e já conseguiu, inclusive, um financiamento pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) do governo federal.

Em Vila Atlântica, localidade do município de Nova Santa Helena onde a extração de madeira já chegou a ser a principal atividade econômica, os técnicos da campanha visitaram o “condomínio” formado por 19 agricultores familiares que estão cultivando guaraná também com o método orgânico. Eles já conseguiram instalar uma agroindústria que processa o fruto, deixando-o pronto para comercialização.

Em Terra Nova do Norte, foi a vez de conhecer a Cooperativa dos Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia (Cooperagrepa), ganhadora do prêmio Chico Mendes 2005, ofertado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), na categoria Negócios Sustentáveis. A organização foi criada para tentar agregar valor aos produtos da agricultura familiar na região e difundir práticas ambientalmente sustentáveis. A cooperativa vem trabalhando na reorganização dos pequenos agricultores, na identificação e abertura de mercados, na superação de gargalos das cadeias produtivas da região e na articulação de diversas iniciativas. A instituição tem, hoje, 300 famílias de agricultores sócias. Além deles, há extrativistas associados que totalizam 32 núcleos de produção.

Em Querência, integrantes da mobilização estiveram na única Escola Família Agrícola (EFA) existente no Mato Grosso. Difundida em outros Estados do Brasil, a instituição utiliza o método da “pedagogia da alternância” pelo qual o estudante fica 15 dias na escola e 15 dias em casa, aplicando o que aprendeu na propriedade rural da família. “Trata-se de um foco de resistência, um ponto de apoio na tentativa de implantar um novo modelo de desenvolvimento, que identificamos como parceiro prioritário”, explica Rodrigo Junqueira, analista socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações integrantes da ‘Y Ikatu Xingu.

A escola tem 150 alunos de várias localidades das bacias do Xingu e do Araguaia, cursando da 5ª série do ensino básico ao 2º ano do ensino médio. “O principal objetivo do projeto é viabilizar a produção da própria família do aluno. O potencial de disseminação de informações e práticas dos estudantes é enorme, daí o interesse da campanha em firmar uma parceria estratégica”, completa Junqueira.

Ainda em Querência, os participantes da mobilização ‘Y Ikatu Xingu conheceram uma articulação de aproximadamente 500 agricultores familiares que começa a implementar um projeto de produção agroflorestal integrada. Todo o trabalho, desde a coleta de sementes de espécies como a seringueira, o pequi e a pupunha, até o preparo das mudas para posterior enxertia e plantio no campo, é feito de forma coletiva, envolvendo diferentes segmentos da sociedade local. A iniciativa pretende viabilizar alternativas econômicas que conciliem a geração de renda, a conservação e o manejo dos recursos naturais.

Funai e Funasa firmam acordo para garantir direito à saúde dos indígenas

A partir de agora a Fundação Nacional do Índio, (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vão buscar trabalhar em conjunto para atender as demandas da população indígena. Hoje (23), o presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa, e o diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, afirmaram que as barreiras burocráticas e administrativas que impediam a integração das duas instituições serão superadas.

"Muda a orientação que existia desde 1999 quando a saúde indigenista foi retirada da Funai e levada para a Funasa. Agora, temos a boa vontade das duas entidades", disse Lustosa. "A preocupação agora é ajustar, trocar informações, conhecimento e experiência."

Com a parceria, as duas instituições poderão compartilhar, por exemplo, automóveis e instalações, além de melhorar questões administrativas, criar mecanismos de controle social das ações indigenistas e aperfeiçoar a atenção à saúde indígena. De acordo com Lustosa, a Funai e a Funasa, principalmente dentro das aldeias, estarão em diálogo permanente. "Acabou o divórcio. Quando houver uma necessidade os dois órgãos vão colaborar em todos os níveis para que os recursos materiais e humanos sejam utilizados de maneira solidária, lá onde é mais necessário, que é na aldeia, junto aos índios", argumentou.

O diretor-executivo da Funasa, Danilo Forte, acrescentou ainda que a parceira fortalece as duas instituições. "A perspectiva é que esse documento se transforme em uma política de governo. Queremos, com o desenrolar dessa discussão, distribuir a idéia pelo país inteiro e de forma democrática com a participação da comunidade nas aldeias e das organizações não-governamentais, elaborar um documento que dê subsídio para uma nova política de governo no atendimento à saúde indígena", explicou.

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) participaram do encerramento do 1º Encontro de Administradores Regionais da Funai e chefes de Distritos Sanitários Indígenas da Funasa. Os trabalhos começaram na terça-feira (21), com a participação de cerca de 150 representantes dos dois órgãos governamentais. O objetivo foi discutir um planejamento estratégico conjunto para melhorar a assistência aos povos indígenas.

Funai e Funasa precisavam de parceria maior desde 1999, avaliam indígenas

O representante da etnia Baré no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Valdez Baré, avalia que a parceria entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai) deve beneficiar a atenção à saúde indígena. "Vai melhorar bastante. Essa parceria era para ter sido firmada antes", afirmou.

Segundo Valdez Baré, problemas de locomoção de índios doentes e a falta de remédios podem acabar se o acordo sair do papel. "Temos a dificuldade deslocamento da aldeia para os postos (de saúde) que são longe, com a parceria, vai melhorar. Agora vamos ter mais recursos e eu acho que essa parceria vai funcionar de verdade", disse.

Para o líder Caipó, Megaron Txucarramae, do Mato Grosso, a reunião entre Funai e Funasa deveria ter ocorrido muito antes, logo assim que a Funasa passou a cuidar da saúde dos índios. Ele acredita que a parceria é positiva. "Vai ser muito bom. Da nossa parte, a intenção é trabalhar em conjunto", disse Txucarramae. "A Funai e Funasa foram criadas em função do índio, então eles têm que trabalhar juntos. É o que eu espero que isso aconteça agora em diante", afirmou.

Convivência entre militares e indígenas na fronteira nem sempre é harmoniosa

Na fronteira do Brasil e outros países amazônicos convivem militares e povos indígenas em uma relação nem sempre harmônica. "Temos questionado a forma como o Exército tem se imposto, desrespeitando nossos territórios milenares", disse o coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré-Mawé.

Além das críticas ao uso do território indígena, há relatos de discriminação. Maria Gonçalves, da etnia Tariano, moradora distrito de Iauaretê, em São Gabriel da Cachoeira (AM), no Alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia, diz que "há muita humilhação dos oficiais indígenas. Mesmo tendo o segundo grau completo, dificilmente conseguem virar cabos", afirmou.

Maria Gonçalves e Enerstina Alves (que é da etnia Dessano e também mora em Iauaretê) contaram que antigamente parte dos soldados se envolvia com muitas jovens e depois desapareciam quando elas engravidavam. Hoje já é diferente, conta. "Os militares quase todos vivem lá com suas famílias. Quando um soldado faz arruaça, os indígenas reclamam e ele é transferido", ressaltou Gonçalves.

De acordo com o chefe de Estado Maior do Comando Militar da Amazônia (CMA), general Villas Boas, o Exército é "bastante rígido com normas, mas não podemos retroceder à Idade Média e impedir que dois jovens namorem". Ele disse que quase todos os 27 pelotões de fronteira amazônicos estão sediados em áreas indígenas. "Se você pegar a foto de um pelotão, você não consegue distinguir quem é indígena e quem é soldado. Porque os índios também são brasileiros, também entram para o Exército e formam a maior parte dos cabos e soldados que atuam na região", ponderou o general.

O general também defendeu a presença militar em reservas étnicas, já que, segundo ele, contribui para impedir as invasões do território e, conseqüentemente, proteger a cultura dos povos indígenas.

"Na terra Yanomami há três pelotões de fronteira: Auari, Surucucu e Maturacá. Nessas áreas você não tem garimpo ilegal, extração ilegal de madeira, biopirataria ou contrabando", exemplificou o general. "Além disso, a presença do índio facilita a atuação do Exército, pela vinculação dele com o território, seu conhecimento da região".

De acordo com dados do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e do Coiab, cerca de 430 mil índios vivem na Amazônia Brasileira e representam 60% da população indígena do país.

Estudo do IBGE torna público fenômeno do auto-reconhecimento da descendência indígena

A antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo colaboradora do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, e coordenadora do Comitê de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, acompanhou a elaboração do estudo divulgado pelo IBGE, em 13/12, denominado “Tendências Demográficas: Uma análise dos indígenas”, que avalia detalhadamente os números dos autodeclarados indígenas nos censos de 1991 e 2000. A população indígena em 2000 teve um crescimento de 150% em relação a 1991, o que provocou surpresa entre especialistas e pesquisadores. Marta Azevedo explica nesta entrevista o que há de novo e o que significa esta publicação para os estudos demográficos dos povos indígenas e para o Brasil.

ISA – Quais as novidades que a publicação do IBGE apresenta?

Marta Azevedo – A primeira delas é que o IBGE teve a iniciativa de publicar um volume específico da série Tendências Demográficas sobre a população que se auto-declarou indígena nos censos de 1991 e 2000. O fato de o IBGE ter publicado um estudo específico disponibilizando informações, tabelas, gráficos e análises sob vários aspectos é super importante. É a primeira vez que a instituição oficial de estatísticas populacionais brasileiras publica um exemplar sobre o assunto. Isso quer dizer que o Estado brasileiro está dando importância a essa população que tanto está em aldeias e em territórios demarcados, como fora deles. Engloba pessoas que também se identificam com um determinado povo indígena que moram em zonas rurais, em cidades, fora de territórios demarcados. Os autodeclarados indígenas incluem todos. As análises são espacializadas por município, por situação de domicílio rural ou urbano, por situação de domicilio rural específico (os que se situam em áreas rurais de municípios que têm terras indígenas).

O que quer dizer situação de domicílio rural específico?

Os que estão nessa situação são provavelmente os autodeclarados indígenas residentes em domicílios das áreas rurais de municípios que têm Terras Indígenas em seus territórios. Então, a partir destas análises espacializadas é que é possível, sim, influenciar políticas públicas direcionadas a esta população indígena no Brasil. Além disso, o estudo vem tornar público um fenômeno sociológico e político da sociedade brasileira, que é o auto-reconhecimento da descendência indígena de inúmeras pessoas que tinham essa identidade “apagada”, mas não esquecida.

Em 2002, quando o IBGE divulgou o expressivo crescimento da população que se auto-declarou indígena, em relação a 1991, levantou-se a questão de que seria importante perguntar também a que etnia as pessoas pertenciam.

De fato, isso já foi levantado junto ao IBGE, de incluir no quesito raça/cor da pele a questão das etnias específicas, das línguas faladas. Mas o IBGE pondera que isso ficaria extremamente caro por conta do tamanho do Censo Demográfico Brasileiro e que isso deveria ser feito em convênio com a Funai, órgão responsável pelas questões indígenas no Brasil. Muitos países fazem pesquisas sobre os povos autóctones, a partir das línguas faladas, a partir de censos específicos, a partir de perguntas sobre pertencimento a etnias específicas.

O que mais você destacaria entre as diferentes análises que o IBGE apresenta nesta publicação?

Considero um grande ganho as análises espacializadas por município, às quais não se tinha acesso e que agora tornaram-se públicas. São apresentadas análises dos microdados do questionário da amostra, por município, por situação do domicílio dentro do município, rural ou urbano. Dá para saber a proporção de pessoas que se autodeclararam indígenas por município e como se deu o crescimento da população por região. Um mapa mostra municípios em que cerca de 90% da população se auto-declarou indígena, ou que a região Sudeste foi a que registrou um aumento maior de pessoas auto-declaradas indígenas de 1991 para 2000. Se fizermos um cálculo de crescimento da população indígena na região Sudeste, vamos ter uma taxa de 10% ao ano. Claro que isso não significa um crescimento vegetativo, mas uma mudança de auto-declaração. Já a região Norte registra o menor crescimento no número da população auto-declarada indígena.

O que o estudo revelou sobre fecundidade e mortalidade infantil indígenas?

Se analisarmos a população indígena da área rural de todas as regiões do Brasil, verificamos que em 1991, a fecundidade da população que se declarava indígena nas áreas rurais era de 6,4 e em 2000, caiu um pouco, para 6,2. E a população que se auto-declarava indígena nas áreas urbanas, que apresentava taxa de fecundidade de 3,6 em 1991, caiu para 2,7 em 2000. Isso quer dizer que a fecundidade dessa população urbana se aproxima mais da taxa de fecundidade da população brasileira em geral.

Já a taxa de mortalidade infantil se refere só ao censo de 2000. É alta se compararmos com a taxa de mortalidade infantil do Brasil, que no ano 2000 era de 30 por mil habitantes. Nesse mesmo ano, a taxa entre a população auto-declarada indígena era de 51,4 por mil habitantes. Para os que se autodeclararam pretos e pardos, ou seja a população negra, a taxa foi de 34. Mais baixa que os que se autodeclararam indígenas. As análises sobre mortalidade infantil da publicação recém-lançada pelo IBGE vêm reforçar a necessidade de melhorar as informações sobre estes povos, e enfocar de maneira mais contundente o atendimento à saúde indígena.

IBGE constata que população indígena cresceu mais em dez anos do que o restante do povo brasileiro

Rio – A população indígena cresceu quase seis vezes mais do que a população em geral no país entre 1991 e 2000. As maiores taxas se registraram nas áreas urbanas, principalmente da região sudeste. A constatação é do estudo Tendências Demográficas: uma Análise dos Indígenas com Base nos Resultados da Amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000, divulgado hoje (13) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o estudo, em 10 anos, o número de indígenas cresceu 10,8% ao ano. Em 2000, 734 mil pessoas (0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de 440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando 294 mil pessoas (0,2% dos brasileiros) se diziam indígenas.

Entre as possibilidades de justificativa para o fenômeno, o IBGE destaca a imigração de índios da Bolívia, Equador, Paraguai e Peru; e o aumento do número de indígenas em áreas urbanas que optaram por se declarar descendentes de índios no censo 2000.

No período investigado, a região sudeste surpreendeu, aumentando em cinco vezes o número de indígenas. Em 1991, a região tinha o menor número de descendentes de índios (30,5 mil) e em 2000, 161,2 mil pessoas se declararam indígenas. O Nordeste também aumentou a participação: o número de pessoas identificadas como indígenas passou de 55,8 mil em 1991 para 170 mil em 2000.

A região norte continuou concentrando o maior número de indígenas, mas foi a área que apresentou o menor ritmo de crescimento anual. Em 1991, 42,4% da população se autodeclarava indígena e em 2000 a taxa caiu para 29,1%. No Centro-Oeste, 17,9% da população se dizia indígena em 1991 e em 2000 eram 14,2%. Na região sul, a taxa de indígenas passou de 10,3% em 1991 para 11,5% em 2000.

Índios aproveitam Kuarup para pedir preservação das nascentes do Xingu

O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi também palco este ano de articulações políticas em prol da preservação ambiental. A cerimônia que se encerrou ontem (26/08) aconteceu este ano na aldeia kuikuro de Ipatse. Um dos líderes kalapalo, Kurikaré, aproveitou a presença no evento do coordenador de Políticas Indígenas de Mato Grosso, José Seixas da Silva, para pedir que o governo do estado desautorize a construção das barragens Paranatinga I e II, no rio Culuene, cerca de 100 km ao sul do parque.

Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os Kalapalo dizem ser possível demonstrar por vestígios arqueológicos que a área era ocupada por seus ancestrais e relacionam esse território às origens históricas do próprio Kuarup. Kurikaré considera a área "sagrada". O governo do estado alega que o projeto é particular e que não pode se envolver na questão. As obras estão atualmente paradas por ordem da Justiça Federal.

Fausto lembra que o problema de as nascentes não estarem dentro dos limites do parque remonta à sua demarcação, no início da década de 60. Ele conta que o projeto original, defendido pelos irmãos Villas Boas, por Darcy Ribeiro e pelo marechal Cândido Rondon junto a Getúlio Vargas, previa uma área quatro vezes maior para o parque. Por causa da redução, várias áreas que podem ser cientificamente comprovadas como indígenas e que ficam na região das nascentes, explica, ficaram de fora dos limite do parque. "Metade das terras kalapalo está fora, por exemplo", diz ele.

Segundo a antropóloga e sanitarista Cibele Verani, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e uma das convidadas para o Kuarup, a devastação na região já se constitui num "enorme problema de saúde" no parque." Vinte anos atrás, nós tínhamos água limpa para beber em qualquer uma dessas aldeias. Hoje, a maioria das pessoas já não pode beber água de alguns rios. E, de lá pra cá, nós temos visto a poluição descer, inclusive fazendo escassear a pesca", conta ela.

O Parque Indígena do Xingu conta atualmente com cerca de 2,6 milhões de hectares e tem hoje quase 5 mil habitantes. Junto com a área Kayapó, com que faz divisa ao norte, constitui-se, segundo a Fundação Nacional do Ìndio, na maior área contínua de preservação da sociobiodiversidade brasileira, num total de quase 15 milhões de hectares.

O problema é que, ao sul, ficam fora do parque as nascentes dos rios formadores do Xingu, o principal da região, e considerado o maior "rio indígena" do Brasil, pela grande quantidade dessas comunidades às suas margens. Em volta das nascentes de rios como Culuene, Tanguro, Arraias, Ronuro, Batovi e Curisevo, têm se alastrado nos últimos anos as lavouras extensivas de soja e algodão.

Em algumas fazendas, como é visível de avião, as plantações não respeitam as matas ciliares, e as marcas de erosão se multiplicam. O resultado já perceptível pelos índios é o assoreamento. "Hoje, dá pra atravessar a pé o rio. Antigamente, era fundo", conta Fadiuvi, líder dos índios kalapalo. Ele conta também que as comunidades se incomodam com a presença crescente do turismo de pesca nos rios da região. O lixo deixado nas praias pelos turistas desce para dentro do parque na época das chuvas, e aparece na barriga dos peixes e tartarugas que servem de alimentação para os xinguanos – tradicionalmente, todos os povos do Alto Xingu evitam a carne de caça.

O que os índios temem, mas ainda não dispõem de estudos para comprovar, é a possível contaminação das águas por agrotóxicos. Segundo Carlos Fausto, o perigo é real, principalmente por causa desse hábito xinguano de comer peixe. "Nós sabemos que os efeitos da acumulação de alguns componentes, como os metais pesados, na carne do peixe, só são sentidos a longo prazo", alerta ele.

No Alto Xingu, sertanista morto é homenageado no Kuarup entre kuikuros e kalapalos

O sertanista Apoena Meireles, assassinado no ano passado em Rondônia, foi um dos homenageados no Kuarup que terminou hoje (26) na aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu. O Kuarup é uma celebração fúnebre de mortos ilustres do Xingu e, desde que os índios começaram a ter contato mais intenso com os brancos, passou a incluir também a homenagem a brancos que tiveram alguma relação com a causa indígena.

A cerimônia, que se dá sempre nesta época do ano, pode acontecer em qualquer uma das aldeias das 14 etnias que habitam a região meridional do parque, o chamado Alto Xingu. Para isso, é preciso que haja um morto ilustre (chefe ou parente de um chefe) a ser homenageado. Este ano, já tinha acontecido um Kuarup na aldeia Waurá, quinze dias atrás.

No Kuarup que terminou hoje, os homenageados principais dos Kuikuro foram Nahu e Sesuaká, pais de Jakalo, um dos principais líderes kuikuro, além de um morto kalapalo; povo que é o principal aliado dos Kuikuro. Ao todo, foram quatro troncos decorados em homenagem aos mortos. Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nahu era um dos três únicos xinguanos que falava português na época da implantação do Parque Indígena do Xingu, nos anos 60. "Por isso ele se tornou intermediário
importante e ganhou prestígio, apesar de não pertencer a uma família tradicional de chefes",
explica ele. Há cinco anos, Fausto auxilia os Kuikuro em um projeto de preservação da sua memória tradicional.

"O Kuarup é a festividade mais conhecida dos povos indígenas do Brasil", afirmou o presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira Gomes, que acompanhou o Kuarup na aldeia Kuikuro entre ontem e hoje. "Apoena foi desde os 17, 18 anos uma pessoa dedicada aos índios. O pai, Francisco Meireles, também foi, e conheceu os índios daqui nos anos 40. Então, é como se fosse uma linhagem de indigenistas, e esse reconhecimento é emocionante para nós." Gomes lembrou que foi ele próprio quem tinha convidado Apoena a voltar para o trabalho na Funai, já que o sertanista estava aposentado.

No ano passado, Apoena, que, na década de 60, ainda adolescente, aos 17 anos, tinha ajudado a contatar os Cinta-Larga, índios tupi de Rondônia, foi auxiliar a Funai na mediação do caso em que cerca de 29 garimpeiros foram mortos pelos índios na área indígena Roosevelt. A área vive conflito pela posse de uma jazida de diamantes. Desde o fim de 2003, ele era coordenador regional da Funai em Rondônia. Apoena foi assassinado por um adolescente quando saía de um caixa eletrônico em Porto Velho.

Justiça determina que comunidade indígena deve deixar Raposa Serra do Sol (RR)

Manaus – As três famílias indígenas que moram na comunidade Brilho do Sol, no sul da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, têm até o dia 12 de junho para deixar espontaneamente o local, sob o risco serem retiradas à força pela Polícia Federal (PF) ou pela Polícia Militar (PM). Além disso, o não cumprimento da ordem judicial obrigará o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a pagar multa diária de R$ 10 mil. A decisão do juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara de Justiça Federal de Roraima, responde ao mandado de manutenção e reintegração de posse concedido ao coronel reformado da Polícia Militar, José Wilson da Silva.

O mandado foi entregue à comunidade Brilho do Sol por dois oficiais de Justiça, no dia 2 de junho. Segundo Joênia Batista de Carvalho, coordenadora do Departamento Jurídico do CIR, José Wilson foi um dos proprietários de terra que, em 2004, questionaram na Justiça a Portaria 820/98, que estabelecia a demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol.

"Quando o Ministério da Justiça editou uma nova portaria de demarcação, em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou todas as ações que contestavam a portaria anterior, porque entendeu que elas perderam o objeto. Mas a ação em questão foi ignorada", explica. Na próxima sexta-feira, a advogada deve ingressar no STF com uma petição em nome dos indígenas da comunidade Brilho do Sol, pedindo que a ação movida pelo coronel Wilson também seja extinta.

Marcos Marcelus Goulart, procurador da República em Roraima, afirma que, em novembro, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a ação do coronel Wilson. "Alegamos ausência de requisitos para a concessão de liminar porque não se configurava invasão de propriedade particular, pois a terra já estava demarcada". Na última semana, o MPF protocolou uma reclamação no STF, questionando a competência do juiz Girão Barreto para expedir o mandado de reintegração de posse. "Este assunto deve ser tratado no STF", diz o procurador.

A Funai, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), também já pediu ao STF a revogação da liminar, informa Gonçalo Santos, administrador regional da autarquia.

Segundo a assessoria de comunicação da Justiça Federal de Roraima, o juiz Girão Barreto não se pronunciará sobre o caso. Já o coronel José Wilson da Silva declarou que a decisão da Justiça foi uma surpresa para ele e seu advogado – e que só concederá entrevista depois que estiver bem informado sobre o assunto.

No dia 15 de abril, um decreto presidencial homologou a terra indígena Raposa Serra do Sol, estabelecendo um prazo de 12 meses para que os não-indígenas deixem a reserva. A comunidade Brilho do Sol fica na região do Baixo Cutingo, no sul da reserva. Ela faz parte de um grupo de cinco comunidades que foram reocupadas pelos indígenas no segundo semestre do ano passado, como uma estratégia do CIR para fazer resistência à expansão dos arrozais dentro da terra indígena. No dia 23 de novembro, as cinco comunidades tiveram as casas queimadas por um grupo suspostamente liderado pelos produtores de arroz. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal.

Solução para índios em Dourados exige ampliação das terras, diz presidente do Conselho de Saúde

Os problemas das aldeias indígenas na região de Dourados (MS) não tratam apenas da saúde, exigem uma solução para a demarcação de terras. A afirmação é do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Hilário da Silva. Para ele, a política de distribuição de alimentos é medida paliativa. Na região, foram registradas mortes de crianças indígenas por doenças decorrentes da desnutrição.

"Como indígena, eu acho uma injustiça ter esse tipo de ações paliativas como arrecadação de sacolão. O pessoal está num confinamento. Se não pensar num projeto estruturante, de ampliação da área, nós teremos um futuro pior do que já temos hoje".

A identificação, reconhecimento e homologação de terras é uma das ações em discussão pela comissão multiministerial que avalia a situação dos índios na região de Dourados. Várias das terras guarani kaiowá enfrentam problema de superlotação. Por exemplo, na reserva indígena Francisco Horta Barbosa (a 5 km de Dourados), uma das quase 30 terras ocupadas por esses índios na região sul de Mato Grosso do Sul, são 3.500 hectares para uma população de 11 mil índios. Além disso, o crescimento populacional dos povos indígenas nos últimos 30 anos é progressivamente superior à média nacional.

"Em Dourados é preciso pensar numa ampliação da área e montar projetos estruturantes, para que a própria comunidade seja auto-sustentável com a participação em projetos que o governo venha a desenvolver", defende Hilário.

A comissão multiministerial deve se reunir hoje (10) à tarde com as lideranças indígenas. A equipe também apura denúncias de uso irregular de verbas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). E um pacote de medidas deverá ser lançado para melhorar o atendimento e os serviços prestados aos índios da região.

Composta por representantes do ministério da Justiça, das Cidades, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além de equipes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Funasa, a comissão chegou ontem (9) a Dourados.

Arrozeiros de Roraima são acusados de atacar movimentos indígenas e ambientalistas

Nesta terça-feira, em pleno dia do índio, movimentos e pessoas ligados à causa indígena vivem com apreensão em Roraima. Com a tensão no estado, várias comemorações da Semana Indígena também foram canceladas. O medo é disseminado pela reação violenta dos políticos e grandes proprietários de terra do estado que não aceitam a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Segundo a Universidade Federal de Roraima, na madrugada do dia 19 de abril, por volta das 03:00h, uma bomba incendiária, do tipo Coquetel Molotov, foi lançada contra a casa do Fábio Almeida de Carvalho, que coordena o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima, atingindo o seu carro. A família ainda recebeu duas ligações telefônicas anônimas, ameaçando a vida das filhas do professor e exigindo que ele saia do estado nos próximos três dias.

Em email circulado na tarde desta terça-feira, funcionários da organização não-governamental Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) em Roraima informam que estariam de portas fechadas "por motivo de segurança". Na carta, afirmam estar recebendo, também, ameaças telefônicas. Segundo a mensagem enviada, os proprietários de fazendas de arroz estão "atacando todos os  movimentos que apóiam esta ação no estado de Roraima". O bando avisa que os próximos alvos serão os movimentos sociais. 

Os arrozeiros, principais prejudicados pela homologação da reserva, há cerca de uma década invadiram ilegalmente territórios que já eram considerados áreas indígenas. O grupo, no entanto, tem fortes laços com políticos do estado. Um exemplo disso é a ação do governador de Roraima, Ottomar Pinto (PTB), que decretou hoje luto oficial de sete dias no estado por causa da homologação de Raposa Serra do Sol, estimulando o clima tenso no estado. No decreto, Ottomar questiona a Portaria 534, do Ministério da Justiça, que consolidou a reserva em área contínua, diferente do que pregavam os latifundiários locais.

Compensações

Apesar das reclamações dos políticos estaduais, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou algumas medidas compensatórias tais como: destinar 150 mil hectares de terras da União para implantação de pólos agropecuários; o Incra vai identificar, cadastrar e assentar famílias não-indígenas que estão na TI e regularizar 10 mil propriedades familiares que assim terão acesso a créditos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf); concluir a avaliação que já está em curso das benefeitorias na TI Raposa-Serra do Sol; nenhum ocupante de boa fé será retirado da área sem indenização e sem um local para seu reassentamento.

Estas medidas garantem não apenas terra para os 15mil índios que tradicionalmente habitam a região, como também não deixa desamparados os 565 habitantes dos três vilarejos localizados na área indígena: Socó, Mutum e Surumu. Eles serão transferidos no prazo de um ano. A portaria deixou de fora da reserva áreas como o núcleo urbano da sede do município de Uiramutã, os leitos das rodovias públicas federais e estaduais e as linhas de transmissão de energia elétrica. Raposa Serra do Sol garantiu 1,74 milhão de hectares da reserva para os cerca de 15 mil índios que vivem na região.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.