Suicídio e alcoolismo entre jovens levam lideranças indígenas ao debate

Lideranças políticas e espirituais das 26 comunidades indígenas dos Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul, irão se reunir com os jovens dessas etnias para debater assuntos como problemas, anseios e dificuldades da juventude. Mais de 100 pajés irão participar da mobilização, chamada de Vamos Proteger os Nossos Jovens, que acontecerá em meados de fevereiro. As duas comunidades registram altos índices de suicídio e alcoolismo entre a população mais jovem.

Para o gerente do Projeto Vigisus II da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma, o evento será "uma grande escuta coletiva".

O projeto, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), desenvolve intervenções nas áreas de saúde mental, promoção da medicina tradicional e vigilância nutricional, envolvendo treinamento de recursos humanos, estudos e pesquisas, produção de material educativo e publicações técnico-científicas.

Carlos Coloma explicou que o jovem indígena, assim como os de outras comunidades, enfrenta uma série de problemas e necessita de apoio. Segundo ele, as raízes da grande incidência do alcoolismo nas populações indígenas já são bem conhecidas. No entanto, as razões que levam aos suicídios ainda são bastante nebulosas.

Para Coloma, o desconhecimento e a falta de estatísticas e informações sobre o fenômeno do suicídio não são impedimentos para que agentes públicos, comunidades e famílias busquem evitar a repetição desses acontecimentos.

“Nós acreditamos que, ainda que continuemos não conhecendo melhor a arquitetura, como se cria esse processo, essa vontade de morrer, de se matar, é preciso apoiar os jovens das comunidades indígenas onde se verifica grande número de mortes”, afirmou.

Como em qualquer outra sociedade, ele afirmou que é preciso evitar que os jovens indígenas se sintam sozinhos. “Eles necessitam de alguém com quem conversar, falar de seus sentimentos, de seus problemas, de suas preocupações.”

De acordo com Coloma, o suicídio é decorrência de uma multiplicidade de fatores, sociais, econômicos e emocionais. “O que nós encontramos, especialmente nas comunidades Kaigang e Guarani do Mato Grosso do Sul, é uma coexistência de problemas, uma série de dificuldades, uma grande perda de território, uma grande restrição de mobilidade da população que é tradicionalmente nômade, uma grande ruptura entre as gerações, com uma consequente quebra de valores, de modos de vida, que em geral significa crise. Além da crise da adolescência, uma crise de valores culturais”, ressaltou.

A forma como os indígenas lidam com as emoções constitui-se em um componente a mais para incitar os jovens à morte. “São tão intensos alguns sentimentos, como por exemplo, a vergonha que pode levá-los a se matar diante um vexame público, uma humilhação. Essa reação é pouco comum em outras culturas, mas na indígena é muito significativa”, explicou.

Coloma salientou, contudo, que o fenômeno do suicídio é bastante complexo e não pode ser tratado levianamente, tampouco banalizado.

“Como a cultura indígena é intensamente espiritualizada, para tentar compreender o suicídio entre eles, teríamos que falar sobre a crença nos espíritos e como eles são afetados por essas entidades.”

Para Coloma, a reunião de fevereiro é apenas o primeiro passo de um longo caminho a ser percorrido na compreensão do alto índice de suicídio entre os jovens Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul. 

São Paulo tem cerca de 5 mil índios vivendo em aldeias

São Paulo – Existem atualmente cerca de 5 mil indígenas vivendo nas 28 aldeias no estado de São Paulo, de acordo com de Amauri Vieira, chefe de serviço de assistência da Administração Regional da Funai no estado, localizada no município de Bauru. Os povos Guarani, Terena, Kaigang e Krenak estão espalhados em comunidades na região centro-oeste, no Vale do Ribeira, na capital, além do litoral norte e sul.

"Há também índios que moram na capital e trabalham lá, mas não vivem em aldeias nem têm terra definida. É o caso dos Pankararu. São mais de 1.500 índios originários de Pernambuco e que estão na capital há muitos anos", afirmou Vieira. Além dos Pankararu, moram na região metropolitana de São Paulo os Fulniô, Xavante, Xucuru, Xucuru-Kariri e Pankararé.

Ao todo, são 17 mil hectares de terras indígenas no estado. A maior fica na cidade litorânea de Mongaguá. Trata-se da terra Aguapeu, com 4.500 hectares. Mas ainda há situações precárias de demarcação de terra, principalmente na cidade de São Paulo.

"As áreas indígenas na capital são muito pequenas realmente. Os indígenas vivem numa situação difícil, principalmente os Guarani da aldeia Jaraguá, onde há 300 índios com menos de 2 hectares de terra demarcados pela Funai", diz Vieira.

Ele explica que ainda este ano cada uma das três aldeias Guarani na capital passarão por um processo de ampliação do território em 100 hectares. A medida é fruto de uma parceria entre a Funai, os índios e a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) – empresa ligada ao governo estadual.

A população Guarani é a mais populosa do estado. "Apesar da proximidade junto à população urbana, o índio Guarani ainda preserva muito sua cultura", diz Vieira. Historicamente esse povo sempre habitou o litoral brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro. No entanto, a Funai não tem estimativa sobre o percentual de índios dizimados ao longo dos anos.

"Hoje o que se registra é um crescimento da população indígena. Felizmente isso tem acontecido não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro. Já se fala em torno de 470 mil índios que vivem em aldeias em todo em país", conclui Vieira.

Mais de 57% das áreas indígenas em São Paulo não estão demarcados, revela Funai

São Paulo – Das 28 aldeias indígenas no estado de São Paulo, somente 12 estão com a área homologada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e somente duas estão com o processo de demarcação em andamento. A informação foi dada hoje (18) por Amauri Vieira, chefe de serviço de assistência da Administração Regional da Funai, localizada no município de Bauru. As terras que ainda não foram identificadas pelo órgão se concentram no Vale do Ribeira e na região de Ubatuba (litoral norte).

Segundo Vieira, o motivo desse cenário é o sucateamento da fundação. "Isso é grave. A Funai se encontra hoje com um problema muito sério de falta de técnicos, fruto de uma situação que vem se deteriorando ao longo dos anos. Isso impede, evidentemente, que esses processos de identificação de terras sejam mais ágeis", afirma.

Ele informa que na década de 80 a Funai mantinha cerca de 4.500 servidores em todo o país, mas hoje esse número caiu para 2.200. Na Administração Regional da Funai em Bauru, 40 funcionários são responsáveis pelo atendimento dos cerca de 5 mil índios de São Paulo e de mais 900 do estado do Rio de Janeiro.

"É um quadro insuficiente, muito difícil de trabalhar. É preciso o triplo desse número para que a Funai estivesse presente em todas as regiões desses estados prestando uma assistência efetiva", diz Vieira.

Os funcionários da Funai de várias regiões do país estão em greve desde a última sexta-feira (14). Eles reivindicam a abertura de concurso público, reajuste salarial e plano de carreira.