Executivo prepara projeto para regular mineração em terras indígenas

Brasília – O governo federal prepara nova legislação para regular a mineração em terras indígenas, que está proibida desde 1988, aguardando a regulamentação do artigo 231 da Constituição.

O assunto foi debatido hoje (28) na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) do Ministério de Minas e Energia, Miguel Antônio Cedraz Nery, explicou que o projeto é discutido há dois anos e meio, juntamente com o Ministério da Justiça e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

O projeto traz a exigência de dois pareceres sobre a existência ou não de condições da comunidade indígena de conviver com a mineração. Um seria dado pelo próprio DNPM e o outro, por um órgão ligado aos indígenas. Durante o processo licitatório, a comunidade teria de ser ouvida.

“Não vejo em nenhuma comunidade indígena a indisposição para negociar”, diz o senador Romero Jucá (PMDB-RR), autor de um projeto de lei sobre o assunto. O senador sugeriu que fosse criado um novo projeto, mas que as alterações fossem feitas com base no PL já existente, “para evitar mais dez anos de tramitação da matéria”.

Para o Instituto Socioambiental (ISA), no entanto, a situação é mais complexa, já que o artigo 231 da Constituição também rege o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas. Segundo o advogado do ISA Raul Silva Teles, trata-se de comunidades que comem peixe todos os dias, portanto a segurança alimentar está diretamente relacionada ao rio. “Área diretamente afetada não é só aquela coberta pelos reservatórios. Todos aqueles que dependem do rio, seja para plantação ou para comer peixe, são afetados por ela”.

A preocupação do ISA é que os requerimentos de pesquisa ou concessões de lavra, anteriores a 1988, sejam incluídos na nova legislação. Segundo o advogado, há 48.452 requerimentos no DNPM. Destes, 1.839 são anteriores à Constituição de 1988 e 123 se referem a terras indígenas na Amazônia.

“Esse projeto é muito mais minucioso e tem muito mais garantia aos direitos dos índios, como consulta às populações indígenas em todas as fases do processo, elaboração de laudos antropológicos, definição da participação indígena na exploração mineral das terras”, comentou o procurador Jurídico da Funai, Luiz Fernando Villares e Silva.

O diretor do DNPM informou que há 4.994 áreas de mineração na Amazônia, 11 na região Sudeste, seis no Sul e 391 na região Centro-Oeste.

* Colaborou Ivan Richard.

Índios xikrin ocupam Vale do Rio Doce, em Carajás

As atividades da Companhia Vale do Rio Doce, em Carajás (PA), estão suspensas desde ontem (17), quando cerca de 200 índios da tribo Xikrin ocuparam as instalações da empresa.

Em nota à imprensa divulgada hoje (18), a Vale afirmou que os índios “invadiram, de forma violenta (…) armados de arcos, flechas e bordunas”. De acordo com a Vale, foram ocupadas locomotivas, a sala de controle de pátio e outras instalações. Teriam sido furtados pelos índios, segundo a companhia, objetos pessoais de funcionários, além de mantimentos do restaurante e da dispensa.

Ontem (17), 600 empregados que seriam transportados para o Núcleo Urbano, em Carajás, em ônibus da Vale, foram feitos reféns por cerca de duas horas. E, na manhã de hoje, cinco mil funcionários teriam sido impedidos de entrar na área industrial da companhia.

O administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Marabá, Raulien Oliveira de Queiroz, acompanha a ocupação da Vale e disse, em entrevista à Agência Brasil, que não foram feitos reféns e que nada foi quebrado ou saqueado. “Os índios estão aqui pacificamente. Acabamos de fazer uma reunião com a Polícia Federal porque já existe uma liminar judicial para reintegração de posse. As lideranças vão se reunir e decidir o que fazer”, informou.

Segundo Queiroz, a empresa descumpriu parte de um termo de compromisso firmado em maio com os índios. Pelo termo, em setembro seria discutido o aumento de repasses financeiros às comunidades indígenas, mas a Vale não compareceu à reunião marcada. “Os índios chegaram aqui nesta semana para cobrar uma posição e a Vale estava bloqueando estradas para que eles não se aproximassem. O que eles [os índios] querem agora é que uma reunião seja agendada”, afirmou.

De acordo com Marcos Antônio Reis, da Regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Marabá, os xikrins reivindicam o aumento dos recursos repassados pela Vale do Rio Doce às comunidades indígenas da região. Segundo a companhia, os índios recebem anualmente R$ 9 milhões, que são administrados por associações indígenas sediadas na área de atuação da empresa. Os recursos, de acordo com o Cimi, são utilizados em obras de infra-estrutura, na construção de estradas e casas e na promoção da subsistência de famílias de índios.

“A Vale divulga o repasse destes recursos como se fosse uma ação de caridade, já que a atuação da empresa não está dentro dos limites geográficos das terras indígenas, mas os índios vêem isso [os repasses] como uma questão de direito, porque a exploração econômica da terra acontece em áreas muito próximas de onde eles vivem”, explica Reis. Ele informou que também estaria na pauta de reivindicações dos índios uma negociação com a mineradora Onça Puma, subsidiária da Vale do Rio Doce que pretende se instalar na região. “A Onça Puma quer operar na área sem qualquer conversa com os índios. A empresa diz que a negociação sobre repasses já é feita com a Vale”. A Funai, no entanto, afirmou que por hora os índios pretendem negociar apenas a questão do aumento de repasses de recursos.

A Companhia Vale do Rio Doce é uma das maiores empresas de mineração e metais do mundo. Ela atua em 14 estados brasileiros e em cinco continentes. A produção diária da empresa em Carajás é de 250 mil toneladas de minério de ferro.