Código florestal: congresso aprova lei que pode gerar crimes ecológicos em série

por Aldem Bourscheit / WWF-Brasil

Em votação simbólica, na qual a população não pode saber como os parlamentares votaram, e sem respeitar as três sessões para debate de medidas provisórias, o Senado aprovou ontem uma versão piorada da medida provisória que altera o Código Florestal.

Na prática, o legislativo deu mais um passo para a legalização de um crime ecológico contra as florestas e o futuro brasileiros. O texto volta novamente para sanção ou veto presidencial. O prazo é de até 15 dias.

“O texto aprovado desrespeita o conhecimento acumulado pela Ciência sobre o funcionamento dos ecossistemas, ameaça espécies de extinção e gera insegurança à produção agropecuária. É um atentado contra o futuro sustentável dos brasileiros”, ressaltou o especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, Kenzo Jucá Ferreira.

A chamada “escadinha” se tornou uma “rampa” para anistiar de forma ampla todos que desmataram ilegalmente. Pelo texto anterior, a recomposição da mata ciliar nas propriedades médias e grandes, com rios de até dez metros de largura, teriam faixas de preservação permanente (APPs) mais próximas do exigido pela literatura ecológica.

Agora, a recuperação foi fixada numa faixa de 15 metros. Outra mudança inserida pelos ruralistas dá margem para que o reflorestamento seja feito com árvores frutíferas. Antes, a regra previa árvores nativas. Essa alteração também ameaça as funções ecológicas das APPs.

Além disso, a faixa de mata ciliar de apenas 5 metros definida para pequenas propriedades (até 1 módulo fiscal) pode provocar um desastre ambiental de grande escala.

“No Sul e Sudeste, a grande maioria das propriedades servem à monocultura de soja, o que exerce forte pressão sobre o solo e os recursos hídricos. E se olharmos para a Amazônia, 5 metros não comportam nem a copa de algumas árvores nativas. Na prática, essa lei promoverá graves desequilíbrios ecológicos”, disse.

A tramitação da “reforma” da legislação florestal no Congresso e os apelos da sociedade e da Ciência foram ignorados pelo governo. Por isso, para Kenzo Ferreira, o Congresso devolve agora uma “batata ainda mais quente” à Presidente Dilma Rousseff, que novamente terá de analisar o tema por não ter vetado completamente a legislação aprovada em primeira instância ainda em maio.

“Está claro que o Congresso não aceitou os vetos da presidência e que, na queda-de-braço entre governo e bancada ruralista, quem segue perdendo é a proteção das florestas”, avaliou Ferreira.

Conforme o especialista do WWF-Brasil, resta ao Judiciário atentar aos flagrantes deslizes regimentais na tramitação da matéria e à inconstitucionalidade de vários trechos da Lei 12.651/2012, muitas já apontadas pelo Ministério Público Federal.

“O Poder Público tem a obrigação constitucional de ouvir os apelos da sociedade brasileira, juristas, produtores rurais e cientistas e dar um rumo mais digno, correto e moderno à proteção das florestas nacionais. Precisamos de uma legislação coerente, que equilibre conservação e produção com olhos no futuro. O que foi aprovado pelo Congresso é inaceitável”, disse.

Moção aprovada no 7º CBUC

Em uma moção aprovada durante o 7º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Natal (RN), mais de mil organizações da sociedade civil, empresas privadas e estudiosos alertaram para o fato de que a medida provisória do Código Florestal aumenta o desmatamento, anistia quem cometeu crimes ambientais e não cumpre seu papel de preservação das florestas.

O texto considera a medida “uma agressão, não somente ao meio ambiente, mas também aos princípios democráticos, uma vez que a forma como se construiu tal acordo, tratando a questão como um mero ajuste matemático de módulos a mais e faixas a menos a serem recompostas, desconsiderou, completamente os efeitos maléficos da medida”.

MP que “interditou” 8,2 milhões de hectares no Pará para criação de UCs pode ser derrubada na Câmara

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) está trabalhando contra o tempo para impedir a derrubada na Câmara dos Deputados de um dos pilares do “Pacote Verde”, lançado em fevereiro pelo governo. Corre risco de ser rejeitada a Medida Provisória 239/05, que possibilitou a “interdição administrativa provisória” de 8,2 milhões de hectares ao longo da rodovia BR-163, no Pará, para permitir a realização de estudos visando a criação de Unidades de Conservação (UCs) na região. A iniciativa é considerada fundamental para conter o corte indiscriminado das árvores e a grilagem de terras em uma das áreas de maior conflito fundiário e desmatamento da Amazônia e é extensiva a todo o País. O relator da matéria, deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA), fez um parecer contrário à MP, que deverá ser votado em plenário na próxima terça ou quarta feira.

A ameaça de desaprovação do texto proposto pelo governo paira sobre o Palácio do Planalto pouco depois de ser anunciado, no último dia 18 de maio, o número alarmante de 26 mil quilômetros quadrados de florestas desmatadas na Amazônia, de agosto de 2003 a agosto de 2004. Trata-se do segundo maior índice da história, que só perde para os 29 mil quilômetros quadrados desmatados no período entre 1994 e 1995. O anúncio repercutiu negativamente na imprensa nacional e internacional e a taxa apresentada foi interpretada como uma séria derrota para a administração Lula.

Na última quarta-feira, dia 25 de maio, no MMA, a ministra Marina Silva esteve com Ribeiro e tentou convencê-lo a mudar o teor de seu relatório. Não chegaram a um acordo, mas as negociações prosseguirão até a véspera da votação. A assessoria do deputado deverá apresentar uma nova proposta ao ministério na segunda-feira, dia 30 de maio. O encontro com Marina aconteceu por exigência do parlamentar paraense, que se recusou a discutir o problema com representantes de escalão inferior. Também estavam presentes o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, e o deputado Luciano Zica (PT-SP), um dos principais negociadores do governo para o tema.

Na noite da terça-feira, dia 24, o governo havia fechado um acordo com Ribeiro ao aceitar modificar o texto da MP para deixar claro que, nos empreendimentos legalizados em áreas já alteradas (para agricultura, pecuária e garimpos), poderia ser feito o corte de vegetação em processo de regeneração, arbustos nativos daninhos ao pasto, por exemplo. No dia seguinte, o deputado voltou atrás e atacou de forma contundente a medida e o governo. “A MP dá ao presidente da República um poder discricionário, autoritário, ditatorial e imperial. Ela paralisa uma série de empresas e atividades econômicas como fazendas, garimpos e madeireiras, mesmo que elas estejam legalizadas”, afirmou Ribeiro à TV Câmara. Pouco depois, ele reuniu-se com a ministra Marina Silva.

Existe a suspeita de que o deputado Nicias voltou a endurecer o discurso por pressão de seu partido, o PSDB, e da bancada ruralista na Câmara, que estaria interessada em derrubar ou pelo menos flexibilizar ao máximo a MP. Cogitou-se, por exemplo, limitar o alcance da medida à Amazônia e a um período de tempo menor – o texto atual estipula um prazo de seis meses, que pode ser renovado por mais seis meses, para a realização dos estudos que poderão legitimar a criação das UCs. A oposição também propôs a retirada do regime de urgência constitucional do Projeto de Lei (PL) nº 4.776/05, que pretende regulamentar a gestão de florestas públicas e também poderá ser votado durante a semana.

Por outro lado, o PSDB estaria tentando desgastar o governo no maior número possível de frentes. O motivo seria a “guerra” que envolve a chamada CPI dos Correios, aprovada na quarta-feira, dia 25, e que poderá investigar denúncias de corrupção que pesam sobre o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), presidente de seu partido e um dos principais aliados do Palácio do Planalto.

“O ex-presidente FHC, do PSDB, editou medida muito mais drástica e impopular para os ruralistas, quando do lançamento dos dados recordes de desmatamento, entre 1994 e 1995, com o aumento da reserva legal de 50% para 80% na Amazônia”, lembra o advogado André Lima, do ISA. Ele conta que, depois disso, o governo tucano também conteve energicamente, em 2001, a pressão ruralista que tentou a rejeitar Medida Provisória que previa a alteração (MP nº 2166/01).

“Não há acordo em relação a tentar limitar o alcance da medida apenas à Amazônia ou retirar o pedido de urgência do PL nº 4.776 (da gestão de florestas públicas). Isso nós não vamos aceitar. Também não está em discussão a tentativa de diminuir os prazos”, garantiu João Paulo Capobianco, ao término da reunião. Ele confirma que a MP corre riscos, mas considera que é possível chegar a um consenso antes da votação. “O deputado Nicias concorda que é necessário manter a essência do texto, ou seja, nas áreas de floresta primária, a vegetação deve continuar intocada.”

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A MP e o Pacote Verde

Publicada em 18 de fevereiro deste ano, a MP 239 prevê o instrumento legal da “limitação administrativa provisória” que autorizou o governo a paralisar todas as atividades econômicas efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental em uma área de florestas primárias (ainda intocadas) de 8,2 milhões de hectares, no Pará, ao longo da BR-163. Em outras palavras, ficou proibido o corte raso de floresta no local. A intenção é de realizar estudos com vistas à criação de Unidades de Conservação na região. O território abrangido pela medida inclui terras nos municípios de Altamira, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão, todos localizados no sudoeste do Pará.

A publicação da MP faz parte do chamado “Pacote Verde” apresentado pelo governo federal para tentar conter a violência, a grilagem de terras e o desmatamento em toda a Amazônia, sobretudo no Pará. O conjunto de medidas foi tomado em resposta ao assassinato da missionária Doroty Stang, no dia 12 de fevereiro, em Anapu (PA). A freira estadunidense foi morta a mando de fazendeiros por defender trabalhadores rurais e pequenos agricultores que disputam terras com latifundiários da região. Além da MP 239, o governo também criou 5,2 milhões de hectares de áreas protegidas, localizadas em vários estados da Amazônia e enviou ao Congresso o PL nº 4.776. (Para saber mais clique aqui).

Organizações da sociedade civil se mobilizam

Uma carta assinada por mais de 27 instituições, entre elas o ISA, já está circulando em Brasília e pela Internet pedindo a aprovação da MP nº 239 (confira a íntegra abaixo). Contando as organizações filiadas à Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), mais de 300 entidades estão apoiando a mobilização. A idéia é pressionar os parlamentares pela aprovação da medida. Os responsáveis pelo documento estão recomendando que todos aqueles interessados na questão enviem-no aos deputados por e-mail (veja lista abaixo).

“A eventual rejeição da MP nº 239 representará uma vergonha sem precedentes para a sociedade brasileira às vésperas da Conferência das Partes (COP) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que será sediada aqui no Brasil, no ano que vem”, constata André Lima. O advogado do ISA também avalia que o Congresso Nacional não aprovou nada de relevância estratégica e de dimensão nacional para a proteção da biodiversidade durante o mandato atual. “Esta legislatura poderá entrar para a história como uma das piores dos últimos 20 anos em matéria socioambiental, infelizmente”.

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