Novo sistema de controle de madeira do Ibama não barra comércio ilegal

Ao contrário do que anunciou o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) em entrevista coletiva ontem em Belém, no Pará, o DOF (Documento de Origem Florestal) ainda não conta com fiscalização estruturada para coibir o comércio de madeira ilegal. O novo sistema eletrônico, concebido pelo governo para sanar a permanente falta de controle da produção de madeira na Amazônia, completou um mês de funcionamento.

“Não somos contrários ao DOF, mas se este ou qualquer outro sistema não contarem com uma fiscalização eficiente, apta a identificar as fraudes em tempo real, a madeira ilegal continuará chegando ao mercado. E isso o Ibama esqueceu de contar”, disse Marcelo Marquesini, da campanha da Amazônia do Greenpeace. “A atual fase é a mais frágil e vulnerável a fraudes já que não houve planejamento adequado para a transição entre o sistema anterior, baseado na ATPF (Autorização para Transporte de Produtos Florestais), e o DOF”. Os créditos de volume de madeira declarados pelas empresas, por exemplo, nem sempre são reais ou mesmo checados em campo pela fiscalização, que não tem capacidade de vistoriar todas as empresas e revendas.

Com o novo sistema, produtores e empresas que comercializam produtos florestais passam a controlar eletronicamente as entradas, saídas e o próprio saldo de volume de madeira de suas contas. Se não tiverem pendências, podem solicitar, preencher e emitir, via internet, o documento que acompanhará as cargas de madeira – também chamado DOF. Isso poderá ser feito de sua própria empresa, residência ou ainda de terminais de computadores que ainda não foram instalados em todas as unidades do Ibama.

Quem operar ilegalmente fora do sistema só será apanhado se a fiscalização tiver acesso à informação em tempo real durante a checagem do transporte da madeira ou nos pátios das indústrias e revendas. Por isso, o Ibama e a própria Ministra do Meio Ambiente Marina Silva anunciaram, durante o lançamento do DOF em agosto, uma série de procedimentos para viabilizar o funcionamento efetivo do novo sistema: equipamentos modernos para a fiscalização e a integração do sistema DOF com o Autotrac (aparelhos existentes em muitos carros do Ibama para inter-comunicação via satélite) e com a linha verde do Ibama para informações em tempo real.

Investigação do Greenpeace mostrou que no oeste paraense, onde existem pólos produtores de madeira com mais de 216 empresas como Castelo dos Sonhos, Novo Progresso, Itaituba, Trairão, Altamira, Medicilândia, Uruará e Santarém, a fiscalização do Ibama sequer recebeu notícias de Brasília de quando chegarão os laptops, palmtops ou leitores de código de barra para checar os caminhões e balsas que já transitam com o DOF. O consumo médio anual da região é estimado em mais de 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira em tora. Até setembro segundo o Ibama, 1.268 empresas já haviam se cadastrado na região, sendo que 493 estavam impedidas de emitir o DOF. Contudo, ainda há muita ATPF legalizando o transporte da madeira na região, já que houve uma liberação anormal de guias para empresas por ordem da Superintendência do Ibama em Belém por causa da entrada do novo sistema, em agosto.

Em Rondônia, onde 530 empresas estão cadastradas no sistema, a situação não é diferente, mas a falta de equipamentos para acesso à informação em tempo real tem sido substituída pela criatividade do brasileiro. Alguns fiscais do Ibama que atuam na rodovia BR-364, que liga Cuiabá a Porto Velho, estão usando seus celulares para consultar o Ibama. De lá, alguém acessa o computador para checar no sistema DOF se o documento apresentado pelo caminhoneiro é verdadeiro ou não. “É a distância entre o mundo real e o mundo de Brasília. Equipamentos e treinamento ficaram só na promessa. E nós não vamos conseguir checar as centenas de carretas que passam por aqui diariamente”, disse um servidor do Ibama-RO que preferiu não se identificar.

No Amazonas e no Acre, continuam as dúvidas sobre como ajudar os pequenos produtores e comunidades que não têm acesso à internet. Terminais ainda não foram instalados e muitos municípios não têm sequer escritórios do Ibama ou das autarquias estaduais. Para os dois estados, o lançamento foi precipitado, pois não houve treinamento ou estrutura adequada para a substituição.

“Na pressa de lançar o DOF, o governo se esqueceu de planejar, estruturar e preparar a transição entre os dois sistemas. Não houve um projeto maior prevendo capacitação, adequação e aparelhamento da fiscalização e o envolvimento dos estados e até da própria polícia rodoviária, parceira comum na fiscalização das ilegalidades do setor”, afirmou Marquesini.

Sem estar pronto, Ibama lança novo sistema de controle de produtos florestais na Amazônia

O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) lançou hoje o DOF (Documento de Origem Florestal), o novo sistema eletrônico que vai passar a controlar o fluxo de madeira e produtos florestais na Amazônia. O DOF vai substituir a ATPF (Autorização de Transporte de Produtos Florestais), que vigorava desde 1993. O lançamento acontece três semanas após o anúncio público do Ministério do Meio Ambiente (MMA)de que a ilegalidade na produção de madeira para serraria, carvão e lenha na Amazônia é no mínimo de 63%.

Apesar do novo sistema ser um grande avanço no combate a ilegalidade no setor, o lançamento do DOF neste momento desconsidera a preocupação de governos estaduais e de ongs ambientalistas, em especial o Greenpeace, que entendem que o ato é prematuro. Falta planejar e preparar a transição entre os dois sistemas. A posição do Greenpeace, apresentada em vários momentos, foi reforçada à Ministra do Meio Ambiente Marina Silva durante a reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que aconteceu ontem (31/08) em São Paulo.

“A história se repete: o governo Lula está fazendo exatamente o que o governo anterior fez. A ATPF havia sido aposentada no final de 2002 e teve que ser reassumida em 2003 porque o sistema anterior que a substituiria não estava finalizado. É uma semente boa em solo ruim”, disse Marcelo Marquesini, da campanha do Greenpeace na Amazônia. “Se o DOF ou qualquer outro sistema não forem integrados e vierem com boa fiscalização, apta a identificar as fraudes em tempo real, a ilegalidade continuará”.

O sistema de controle do fluxo de madeira é um item importante da gestão florestal na Amazônia. Com a mudança no Código Florestal em março de 2006, o MMA e o Ibama aceleraram a chamada descentralização da gestão florestal na Amazônia e “repassaram o mico” aos estados. Mato Grosso e Maranhão criaram seus próprios sistemas não integrados ao sistema do Ibama. Após dois meses de protestos das ONGs, o governo reconheceu que o processo exigia mais cautela, responsabilidade e regras claras.

O Ibama planejava a “morte da ATPF” e sua substituição desde 1999. De lá para cá vários projetos surgiram, muito dinheiro foi gasto, mas nada se efetivou. A partir de 2004, surge a proposta do DOF que ganhou corpo mesmo em 2005.

Com o DOF, produtores e empresas que comercializam produtos florestais terão que se cadastrar e ter aprovação prévia para operar o sistema, que passará controlar eletronicamente saldo e saída de volume de madeira. Se não tiverem pendências, poderão solicitar, preencher e emitir, via internet, o documento que acompanhará as cargas. Isso poderá ser feito de sua própria empresa, residência ou ainda de terminais de computadores que serão instalados em todas as unidades do Ibama. Quem operar ilegalmente fora do sistema só será apanhado se a fiscalização tiver acesso à internet durante o transporte da madeira para checar se a carga foi declarada conforme a documentação apresentada ou com fiscalização nos pátios das industrias e revendas.

Mas o governo federal não cumpriu com todas as etapas programadas e está fazendo um lançamento prematuro. O treinamento de técnicos e fiscais que deveria ter sido feito antes do lançamento, por exemplo, só será feito durante o uso do sistema. O máximo que o Ibama conseguiu fazer foi treinar dois técnicos de cada superintendência para operar dar explicações sobre o uso do sistema. São eles que terão a missão hercúlea de repassar os conhecimentos aos demais técnicos e fiscais de sua própria instituição, para os técnicos das Secretarias de Meio Ambiente e suas autarquias, além das polícias militar, civil e rodoviária.

“Mesmo sem preparação adequada e com altos índices de ilegalidade no setor madeireiro, o governo anuncia a substituição de sistema. Isso sem contar que estamos no meio da safra de madeira. É necessário responsabilidade até para implementar uma boa idéia”, disse Marquesini. “O tempo verbal do que precisa ser feito até agora tem sido conjugado sempre no futuro: vamos comprar, vamos fazer, vamos instalar, vamos disponibilizar. O governo sabe que muita coisa não foi feita ou não está preparada. Tem madeireira feliz da vida nesta safra. Esse ato prematuro pode marcar 2006 como o ano da madeira ilegal na Amazônia e até desqualificar um bom sistema antes de seu bom uso!”.

Raio X – Para entender melhor a situação o Greenpeace conversou com Secretários de Meio Ambiente, diretores e coordenadores nos estados do Pará, Amazonas, Acre, Mato Grosso e Amapá. O Mato Grosso opera seu próprio sistema eletrônico, o Sisflora, de concepção similar ao DOF, mas que não pode ser fiscalizado fora dos limites do estado. A integração entre os dois sistemas é necessária para que estados consumidores de madeira possam checar a origem e validade dos documentos e cargas que chegarem por lá. O trabalho de integração, que ainda está sendo discutido, nem começou.

No Pará, a situação é peculiar, pois o Ibama irá operar o DOF em setembro e outubro. O governo do Pará, através da Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam), irá assumir o controle do fluxo de madeira a partir de outubro, mas não usará o DOF. Estariam fazendo licitação para ter um sistema “igual” ao Sisflora, do Mato Grosso, para colocá-lo em funcionamento a partir de novembro. Serão três sistemas diferentes numa mesma safra. A fase de transição entre sistemas é a mais frágil e vulnerável a fraudes pois os créditos de volume de madeira a serem inseridos para cada madeireira nem sempre são reais, muito menos checados em campo. A recente fraude no Mato Grosso, onde 82 pessoas foram presas, é um bom exemplo disso.

Amazonas e Acre estão preocupados com os pequenos produtores e comunidades que não tem acesso a internet no interior. Os terminais a serem instalados ainda não existem e muitos municípios não tem sequer escritórios do Ibama ou de suas autarquias. Para os dois estados, o lançamento é precipitado, pois não houve treinamento ou estrutura adequada para a substituição.