Acusados de assassinato de líder indígena na Raposa Serra do Sol são absolvidos

Alex Rodrigues – Agência Brasil

Após dois dias de um julgamento que mobilizou índios e produtores rurais e teve seu início adiado por seis vezes, o Tribunal Regional Federal (TRF) de Roraima absolveu, por falta de provas, os três acusados pelo assassinato do líder macuxi Aldo da Silva Mota, 52 anos, morto a tiros em janeiro de 2003. A sentença foi anunciada no início da manhã de sábado (19).

Para organizações indigenistas e ambientalistas, o assassinato de Mota é um dos vários crimes cometidos em função da disputa por terras durante o processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Seu corpo foi encontrado por parentes, dias após ter desaparecido. Estava enterrado em uma fazenda de Uiramutã, cidade criada em 1995. À época, a Fundação Nacional do Índio (Funai) já havia identificado a área como terra tradicional indígena.

Na época do crime, a fazenda onde o corpo de Mota foi encontrado era ocupada pelo ex-vereador Francisco das Chagas Oliveira da Silva, conhecido como Chico Tripa, inicialmente acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter contratado Elisel Samuel Martin e Robson Belo Gomes para matar o índio macuxi.

Segundo a assessoria do Ministério Público Federal (MPF) no estado, o procurador Ângelo Goulart Villela tem até esta sexta-feira (25) para analisar a possibilidade de recorrer contra a sentença do juri.

Já o Conselho Indígena de Roraima (CIR) promete recorrer da decisão. Dizendo-se surpreso com a decisão, o coordenador geral do CIR, Mário Nicácio, disse que o conselho e a família de Mota vão tentar evitar que o processo volte a ser julgado no estado.

“Não aceitamos a decisão. A família vai recorrer, com assistência jurídica do CIR, e nós vamos manter nossa mobilização por justiça”, disse Nicácio, por telefone, à Agência Brasil. O coordenador questionou a composição do juri, composto por duas mulheres e cinco homens e presidido pelo juiz federal Helder Girão Barreto, e a postura do próprio MPF.

“Desde o início, notamos, no juri, um pré-julgamento pelo fato de Aldo ser um índio e viver na reserva e uma sede de vingança pela demarcação da Raposa Serra do Sol. E questionamos também a postura do MPF, que, no papel de advogado de acusação, em vez de defender os interesses indígenas, pediu a absolvição do Chico Tripa por falta de provas”, disse Nicácio.

A assessoria do Ministério Público Federal confirmou que o procurador Ângelo Goulart Villela não viu indícios da participação do fazendeiro Chico Tripa no crime, razão pela qual pediu sua absolvição e confirmou que o procurador pediu a condenação de Elisel Samuel Martin e Robson Belo Gomes. Martin e Gomes também foram absolvidos pelo juri por falta de provas.

A assessoria do MPF não quis comentar as declarações do coordenador geral do CIR.

Edição: Fábio Massalli

Quartiero deixa Raposa após destruir outra sede de fazenda e mobilizar grande aparato policial

O produtor de arroz Paulo César Quartiero provocou a mobilização de um grande aparato policial por quase 12 horas para deixar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), um dia após o fim do prazo dado pela Justiça para a saída espontânea dos não-índios da reserva.

Ele recebeu em torno de 25 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança sentado sozinho em frente à segunda sede de fazenda que mandou demolir.

O rizicultor disse que, após “desbravar Roraima”, não aceitaria “ser tirado como um cachorro” por “brucutus anabolizados” e só aceitou sair de lá quando recebeu um mandado de desocupação escrito à mão pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, desembargador Jirair Meguerian. O produtor definiu como “muito amadorismo” escrever um mandado debaixo de um pé de manga.

O desembargador informou a Quartiero que a União se responsabilizaria pela colheita dos 400 hectares de arroz plantados na fazenda, com posterior indenização, desde que o produtor disponibilizasse suas máquinas para o trabalho. O rizicultor – que expandiu áreas plantadas na região quando o processo de demarcação já estava em andamento – reagiu com indignação.

“Esse pessoal do governo não sabe colher e ainda vão estragar minhas máquinas. O senhor [Jirair Meguerian] vem aqui, toma o que é meu sem prazo nenhum, me obriga a retirar gado na marra, me toma o arroz. Só falta a mulher, os filhos e tudo”, reclamou Quartiero, ao dizer que não cederá as máquinas em hipótese alguma. “Se eu tiver que ceder meu maquinário, prefiro colocar fogo em tudo”, acrescentou.

“Não posso discutir o mérito. Estou apenas fazendo cumprir a decisão judicial”, respondeu Meguerian, lembrando que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que selou a manutenção da demarcação contínua da reserva, com saída dos não-índios, tinha execução imediata. Quartiero chegou a propor colher o arroz a partir da próxima quarta-feira (6) e entregá-lo à União, para receber depois e para que o alimento não se perca, mas o presidente do TRF da 1ª Região reiterou que isso não seria possível.

Durante mais de cinco horas – entre o final da manhã e a chegada de Jirair à Fazenda Providência , no fim da tarde –, Quartiero, deitado em uma rede, leu por mais de uma vez o mesmo jornal. Chegou a se declarar desempregado e sem-terra. Suas roupas estavam sujas porque, segundo ele, virou a noite providenciando retirada de materiais. Policiais, agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) que permaneceram durante todo o tempo na fazenda foram orientados pelo desembargador a não efetuar uma prisão.

Questionado pela Agência Brasil sobre o seu futuro na atividade produtiva, Quartiero disse ter se entusiasmado com propostas do governo da Guiana, que cederia terras ao produtor por até 99 anos. Mas não deu suas fazendas na Raposa Serra do Sol como caso perdido. “Minha história aqui não acabou. Foi só um capítulo. Houve muita ilegalidade no processo e ainda tenho esperança que mais gente reconheça isso.”

Nos próximos meses, entretanto, Quartiero terá de responder por condutas irregulares que cometeu ou que lhe foram atribuídas. A destruição das sedes de suas duas fazendas, cuja ordem ele admite ter dado, deverá ser configurada como crime, porque as benfeitorias já tinham sido indenizadas pela União. O Ibama aplicou-lhe multas por degradação ambiental, que somadas chegam a R$ 50 milhões. “Isso é retaliação política”, comentou o produtor.

A Fazenda Providência já tem novos donos. O tuxaua (cacique) Avelino Pereira, da comunidade Santa Rita, anunciou que dez famílias indígenas viverão na área, onde pretendem plantar arroz, feijão, milho e macaxeira. O grupo já teria máquinas agrícolas. São silvícolas ligados à Sociedade dos Índios Unidos em Defesa de Roraima (Sodiu-RR), entidade que sempre se posicionou favoravelmente à permanência dos arrozeiros. “Ele [Quartiero] sempre foi nosso parceiro, legal com a gente, muitos índios trabalharam com ele. Podia ter deixado a casa para nós, mas fazer o quê, achou melhor de outro jeito. A gente constrói uma”, lamentou Avelino.

Julgamento da Raposa Serra do Sol é suspenso, mas demarcação contínua já foi decidida

Após o voto da ministra Ellen Gracie pela constitucionalidade da demarcação em faixa contínua das terras da Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ministro Marco Aurélio manteve o pedido de vista do processo, ou seja, requereu mais tempo para analisar o caso antes de declarar seu voto.

Com isso, o julgamento fica suspenso, mas numericamente a questão já está decidida. Com oito votos a favor da demarcação contínua, está eliminada a possibilidade de uma decisão pela permanência dos não-índios dentro da reserva, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) é composto por 11 ministros.

Apesar de oito votos a favor da cassação da liminar que, em abril, suspendeu a Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, o ministro Marco Aurélio pediu vista também do processo que resultou na concessão da liminar. Sem decisão pela cassação da liminar, a Polícia Federal não pode retirar os arrozeiros da área da reserva.

Ellen Gracie afirmou em seu voto que acompanha “as preocupações externadas pelo ministro Menezes Direito”, que decidiu pela demarcação contínua, mas com 18 restrições. A ministra acredita que o julgamento de hoje (10) servirá como modelo para as próximas decisões sobre as terras indígenas.

“Essa decisão será um norte sobre como encarar as questões de marcação indígena daqui para adiante. É preciso que o Estado brasileiro se movimente no resgate dessa dívida ancestral que temos com a população indígena”, disse.

A sessão foi encerrada às 18h20.

STF suspende julgamento de Raposa Serra do Sol

Após apresentação do voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que deu parecer pela manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) em área contínua, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo.

O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, disse que pretende retornar com a ação ao plenário "se possível ainda neste semestre".

Em seu voto, o ministro Ayres Britto rejeitou argumentos de suposta falsidade do laudo antropológico e proliferação estimulada de comunidades. Segundo o ministro, são nulas as titulações conferidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a não-índios, pois as terras “já eram e permanecem indígenas”.

Britto argumentou que, em Roraima, há terra em abundância para toda a população do estado. “Tudo em Roraima é grandioso. Se há, para 19 mil índios, 17 mil quilômetros quadrados, para uma população de menos de 400 mil não-índios há 121 mil quilômetros quadrados.”

Logo após o pedido de vista, Ayres Britto voltou a comentar seu voto e reforçou seu posicionamento favorável à demarcação contínua. “Só a demarcação pelo formato contínuo atende os parâmetros da Constituição, para assegurar aos índios o direito de reprodução física, de reprodução cultural, de manter seus usos, costumes e tradições. A mutilação, com demarcação tipo queijo suíço, fragmentada, inviabiliza os desígnios da Constituição.”

Relator vota por demarcação em área contínua, com saída de não-índios da reserva

O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação que contesta no Supremo Tribunal Federal (STF) a demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, votou pela manutenção da reserva conforme homologada em 2005 pelo governo federal, com 1,7 milhão de hectares.

O ministro rejeitou argumentos de suposta falsidade do laudo antropológico e proliferação estimulada de comunidades. “Toda metodologia antropológica foi observadada pelos profissionais que detinham competência para fazê-lo. O estado de Roraima teve participação assegurada no grupo de trabalho da Funai [Fundação Nacional do Índio]. Não se confirma a informação de que houve expansão artificial de malocas. A extensão da área é compatível com as coordenadas constitucionais, e as características geográficas da região contra-indicam uma demarcação restritiva.”

Segundo o ministro, são nulas as titulações conferidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a não-índios, pois as terras “já eram e permanecem indígenas”. Os rizicultores que passaram a explorar as terras partir de 1992 não têm, de acordo com Britto, qualquer direito adquirido sobre a terra. “A presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensa área de solo fértil e degrada os recursos ambientais necessários à sobrevivência dos nativos da região.”

“O ato de demarcação foi meramente declaratório de uma situação jurídica preexistente, de direito originário sobre as terras. Preexistente à própria Constituição e à transformação de um território em estado-membro”, assinalou Britto. “Para mim o modelo de demarcação é contínuo, no sentido de evitar interrupção física entre o ponto de partida e de chegada”, acrescentou.

Britto argumentou que, em Roraima, há terra em abundância para toda a população do estado. “Tudo em Roraima é grandioso. Se há, para 19 mil índios, 17 mil quilômetros quadradros, para uma população de menos de 400 mil não-índios há 121 mil quilômetros quadrados.”

Britto definiu como "falso antagonismo" a idéia de que demarcação de terras indígenas atrapalha o desenvolvimento. “O desenvolvimento que se fizer sem os índios ou contra os índios onde estiverem eles instalados à data da Constituição de 1988, será o mais profundo desrespeito”, afirmou o ministro. Ele afirmou ainda que não há impedimento jurídico para que o Exército não atue nas reservas para preservar a soberania nacional.

“Não vale o argumento de que a demarcação contínua acarreta a não-presença do Estado. Isso não pode ser imputado aos índios, que não podem pagar a fatura por algo que não contraíram. A União deve cumprir o seu dever de assistir a todas as comunidades indígenas, inclusive com atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em faixas de fronteira”, disse Britto.

Inicialmente, o ministro ressaltou que a Constituição Federal prevê tratamento diferenciado aos povos indígenas, como dispositivos suficientes para que os índios brasileiros não precisem recorrer a amparo jurídico estrangeiro.

MPF mantém posição favorável à demarcação contínua da Raposa Serra do Sol

A Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu novo parecer em que, mais uma vez, considera plenamente regular o procedimento do governo federal, que resultou na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua. O documento será encaminhado para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, relator de ações que contestam a demarcação. A previsão é de que em agosto, após o recesso judiciário, a questão seja decidida no plenário da Corte.

A reserva foi homologada em 2005 por decreto presidencial e o reconhecimento da área de 1,7 milhão de hectares como posse indígena gerou mais de 30 ações contrárias. Um grupo de oito grandes produtores de arroz e cerca de 50 famílias de agricultores brancos se recusam a deixar a área em que mantêm atividades econômicas. Neste último parecer, a PGR define como “improcedente” uma ação popular ajuizada por Alcides da Conceição Lima Filho, pedindo a impugnação do ato administrativo do governo federal.

“O que se observa, aqui, é a pretensão de se nulificar o demorado e penoso procedimento demarcatório tomando-se como fundamento o risco de abalo à soberania nacional, o qual, como visto, se presente, haverá de ser eliminado, se for o caso, por mecanismos outros de proteção, sem sacrifício do direito dos povos indígenas”, destaca o vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

A PGR também recomenda ao STF que permita à Fundação Nacional do Índio (Funai) e às comunidades indígenas atuarem no processo como assistentes da União e, em sentido contrário, os produtores rurais e o estado de Roraima. Ontem, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse o que o julgamento da demarcação da Raposa Serra do Sol é a “prioridade máxima” do tribunal. Em recente entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ministro relator, Ayres Britto, avaliou que o plenário vai decidir a questão sob “critérios rigorosamente objetivos”.

Em maio deste ano, Mendes e Britto (e mais a ministra Cármen Lúcia) foram até a reserva para fazer observações dos aspectos demográficos e conversar com moradores. Em abril, uma liminar concedida pelos ministros, em sessão plenária, suspendeu a Operação Upatakon 3 da Polícia Federal – que visava retirar os não-índios da área – até o julgamento definitivo das ações pendentes no tribunal sobre o processo de demarcação.

Demarcação de terras indígenas não é incompatível com soberania, afirma Jobim

A demarcação de terras indígenas não é incompatível com a soberania nacional. Foi o que afirmou hoje (4) o ministro da Defesa, Nelson Jobim, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

“Evidentemente que terra indígena não está imune à penetração dos militares. Isso está em decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso.”

Segundo o ministro, uma reserva indígena “não é uma zona de exclusão de brasileiros, é uma zona de integração”.

Em referência à Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), Jobim afirmou que um dos pontos que devem ser decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso é o regime jurídico das reservas indígenas. O Supremo analisa várias ações que questionam a demarcação da reserva em área contínua, conforme prevê o decreto de homologação, de 2005.

“É fundamental que [o STF] defina o regime jurídico sobre essas terras [indígenas], está na Constituição, são terras da União afetadas ao usufruto indígena.”

Ainda sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol, o ministro disse que “o que nos resta é aguardar a manifestação do Supremo”.

Tradições indígenas sustentam demarcação em área contínua, defende AGU

Estudos realizados durante o processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol mostram que os hábitos culturais das etnias da região – como o ritual de casamento entre aldeias e a movimentação nômade para o plantio de alimentos – sustentam a necessidade de a terra ser demarcada em área contínua. É o que afirma o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli.

“Eles [os índios] plantam em determinada área, ficam com suas aldeias em determinada área e depois migram para áreas vizinhas. Não tem como se estabelecer uma forma de demarcação em ilhas porque esses índios têm uma mobilidade do ponto de vista da sua agricultura.”

Ao participar de entrevista a emissoras de rádio no estúdio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em Brasília, Toffoli ressaltou que a Constituição brasileira não prevê “nações indígenas” ou “territórios indígenas” mas “áreas indígenas”, de propriedade da União. "Não se está dando propriedade aos índios. O que se está dando é o usufruto dessas áreas pela demarcação.”

Quanto à possibilidade de a demarcação em área contínua comprometer as atividades do Exército na região, o magistrado considerou “contra-senso” que um órgão do Estado brasileiro não possa entrar numa uma área de propriedade da União. “É preciso disciplinar essa ação e isso já é feito.”

Segundo o ministro, diversas áreas indígenas no Brasil já abrigam quartéis e brigadas das Forças Armadas e, na Amazônia, quase 80% dos soldados são descendentes de índios.

“O fato de os índios estarem integrados à sociedade não tira deles o direito do usufruto das áreas historicamente ocupadas. Temos que acabar com essa história de que existem brasileiros e existem índios. Todos somos brasileiros. A presença dos índios é uma das causas de nossas fronteiras terem o tamanho que têm hoje.”

Toffoli lembrou ainda que dos 300 fazendeiros com propriedades na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, 294 foram indenizados e retirados da área e que a exceção de seis fazendeiros – todos produtores de arroz – não pode ser suficiente para modificar ou anular a demarcação.

“O Estado brasileiro não pode ficar em uma posição de ceder a seis pessoas por questões particulares de investimento e de interesse, até porque esses investimentos estão sendo indenizados e pagos pelo Estado para que eles deixem aquela área.”

Ministro do STF proíbe busca e apreensão de armas em Raposa Serra do Sol

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto negou hoje (8) pedido da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a expedição de mandado de busca e apreensão de armas, munições e explosivos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A petição tinha sido juntada ao processo ajuizado pelo governador de Roraima e que resultou na suspensão da Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, criada com objetivo de retirar não-índios da área. Entretanto, o ministro entendeu que, pela natureza do pedido, a competência processual seria da Justiça Federal de Roraima.

A União e a Funai queriam que o Supremo autorizasse o ingresso da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública nas fazendas ocupadas pelos não-índios  para  recolher armas que estivessem na posse dos fazendeiros. O pedido foi apresentado após dez indígenas terem sido baleados na última segunda-feira (5) por funcionários da Fazenda Depósito, do líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero.

Ayres Britto ressaltou, entretanto, que o pedido deveria abranger também armas eventualmente utilizadas pelos próprios índios. “Mesmo porque é pública e notória a animosidade recíproca, na região, entre índios e não-índios, cada parte ameaçando a outra com a ‘lei da força’ e não com a ‘força da lei’”, avaliou.

O ministro também disse ter “dúvida” sobre o caráter pacífico da ocupação que os índios promoveram na fazenda de Quartiero.

“As próprias lideranças envolvidas no litígio – em quem se presume um certo nível de esclarecimento – resolveram fazer justiça por conta própria, sem aguardar o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário. Certamente, não é uma atitude que mereça o beneplácito desse mesmo Poder”, concluiu.

PF prende líder dos arrozeiros na terra indígena Raposa Serra do Sol

Agentes da Polícia Federal prenderam hoje (6) na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero.

A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da PF em Brasília, que alegou não ter conhecimento sobre as circunstâncias da prisão, porque os delegados responsáveis estão momentaneamente sem comunicação. A reportagem tentou contato com eles e também com Quartiero por telefones celulares, mas os aparelhos estavam desligados ou fora da área de cobertura.

A prisão ocorreu um dia após funcionários do arrozeiro terem baleado índios que construíam barracos na Fazenda Depósito, de sua propriedade (leia mais ao lado). Quartiero  lidera o movimento de resistência à retirada de não-indígenas da reserva. Hoje à noite, a assessoria de imprensa da PF informou à Agência Brasil que o ruralista teria sido preso em flagrante por porte ilegal de armas.

Até o fim do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ações pendentes que contestam o decreto de demarcação da reserva em área contínua e decidir se os produtores podem ou não permanecer no local. Recentemente, uma operação de retirada deles foi suspensa pelo Supremo.

Durante a operação, Quartiero chegou a ser preso pela PF por desacato, mas foi libertado após algumas horas, mediante pagamento de fiança.

Não podemos infligir uma segunda derrota a eles

Para Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da UFRJ, os conflitos na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, são a prova do insuperável estranhamento que ainda temos em relação aos índios

Flávio Pinheiro e Laura Greenhalgh

Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é considerado “o” antropólogo da atualidade. Dele diz Claude Lévi-Strauss, seu colega e mentor, seguramente um dos maiores pensadores do século 20: “Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na antropologia. Com ele me sinto em completa harmonia intelectual”. Quem há de questionar o mestre frânces que, nos anos 50, sacudiu os pilares das ciências sociais com a publicação de Tristes Trópicos, relato de experiências com os índios brasileiros nos anos 30?

Pois muitos questionam Viveiros de Castro. E muitos o criticarão por esta entrevista ao caderno Aliás. Numa semana em que os conflitos entre índios e rizicultores (informalmente tratados de “arrozeiros”), lá na distante reserva Raposa Serra do Sol (Roraima), ganharam estridência e manchetes de jornais, o professor sai em defesa dos macuxis, wapixanas e outros grupos indígenas que habitam uma faixa de terra contínua de 1,7 milhão de hectares, palco de discórdias que sintetizam 500 anos de Brasil. A estridência ficou por conta de uma palestra do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, feita no Clube Militar do Rio de Janeiro. O general foi contundente: disse que a política indigenista é lamentável e caótica, ganhando imediata adesão de seus pares. Augusto Heleno, que chefiou a missão brasileira no Haiti, também bateu pesado ao reagir contra a decisão da Justiça que determina a saída dos não-índios da reserva: “Como um brasileiro está impedido de entrar numa terra porque ela é indígena? Isso não entra na minha cabeça.”

Também não entra na cabeça de Viveiros de Castro que os indígenas possam ser vistos como ameaça à soberania nacional. Ao contrário, entende que eles contribuem com a soberania. Atribui tanta polêmica ao alto grau de desinformação em torno das reservas existentes no País e, em particular, da Raposa Serra do Sol. “As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente. Já os arrozeiros querem a propriedade.” O entrevistado contesta números, analisa o modelo de colonização da Amazônia e tenta desfazer discursos que, na sua opinião, são alarmistas. Mas é condescendente com o general: “Ele está sendo usado neste conflito. É claro que o Exército tem de atuar lá, defendendo nossas fronteiras. Mas o que está em jogo são os interesses em torno de uma questão fundiária”.

Ex-professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, da Universidade de Chicago e da Universidade de Cambridge, Viveiros de Castro é autor de vários livros, entre eles, Arawete, os Deuses Canibais (Zahar), que resulta de pesquisa de campo com índios do Pará, e A Inconstância da Alma Selvagem (Cosac & Naify), uma coletânea de ensaios que revela sua principal contribuição para a antropologia. Trata-se do “perspectivismo amazônico”, a proposição teórica que guia todas as suas formulações.

Leia a entrevista no site do jornal O Estado de S.Paulo >