Para relator da Agenda 21, sem fiscalização, projeto irá facilitar desmatamento

O projeto de lei que regula a gestão pública de florestas (PL 4776) não está dentro de um novo modelo de exploração responsável da Amazônia. A avaliação é do jornalista Washington Novaes, ex-secretário de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia do Distrito Federal e um dos relatores da Agenda 21 brasileira (plataforma de propostas para o desenvolvimento sustentável do país ao longo deste século, que foi definida a partir da Agenda 21 Global, aprovada na ECO 92).

Em vez de retirar árvores da floresta, Novaes pede que seja feito um projeto amplo de desenvolvimento sustentável e inteligente da região. Para seguir esse caminho, o jornalista sugere que a Amazônia seja pesquisada, e não explorada. "Nós temos de nos convencer de que biodiversidade é a maior riqueza do país, porque é daí que virão os novos remédios, novos alimentos, novos materiais para substituir os produtos não-renováveis", argumenta.

Na visão de Novaes, o país não deveria estar preocupado em retirar árvores da floresta, e sim em identificar espécies que possam ser reproduzidas fora do ambiente da Amazônia. O jornalista cita o caso de alguns produtos que obtiveram sucesso econômico ao serem cultivados fora do ambiente da floresta.

"Um exemplo é a pupunha, que é uma árvore com muitos espinhos", cita. "O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia [Inpa] demorou anos para desenvolver um tipo de pupunha bem mais manejável, com poucos espinhos." Segundo ele, hoje, a pupunha responde por praticamente 90% da produção de palmito do país. Vem substituindo o palmito jussara, que está praticamente esgotado.

"Mas a gente não sabe quase nada da Amazônia porque nosso investimento em pesquisa da região é muito pequeno", alerta. Washington Novaes afirma que, dos quase 30 mil doutores do país, "menos de mil estão trabalhando na Amazônia". "E se nós destruirmos a Amazônia, vamos destruir essa biodiversidade antes mesmo de conhecê-la."

Além da variedade de palmito, Novaes cita o caso do açaí, cupuaçu e guaraná, como produtos identificados na Amazônia, mas cultivados fora de seu ambiente. "E isso são poucas coisas, temos muito mais na área de medicamentos", observa.

Na opinião de Novaes, o projeto que pretende disseminar a prática do manejo florestal ainda não está dentro de um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Ele aponta que, sem fiscalização e com baixo retorno financeiro, o manejo não sairá do papel e servirá, indiretamente, como um incentivo ao desmatamento.

Novaes afirma que, ao centrar a exploração da Amazônia na retirada de madeira, o governo mantém a linha de fazer exportações de matéria-prima ou de produtos de baixo valor, como alumínio, madeira, soja, carne e minérios.

Sem fiscalização, projeto irá facilitar desmatamento

"A fiscalização na Amazônia é uma ficção", lamenta Novaes. Ele elogia o modelo para a região, inscrito no Projeto Amazônia Sustentável, apresentado pelo governo federal. "Teoricamente, tem muitos méritos e muitas direções corretas. Mas a prática não tem acompanhado exatamente o que está lá", diz.

Na opinião de Novaes, sem um aumento da fiscalização, a concessão de uma terra pública para exploração – como prevê o projeto – pode ser apenas um incentivo à depredação. "Não há sinal de melhoras na fiscalização, por isso não há razão para ser otimista".

A preocupação de Novaes é sustentada por exemplos internacionais. "Não há um só caso de país que tenha entrado por esse caminho e tenha dado certo, seja na América Latina, Ásia e África", diz. O jornalista cita o estudo do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Niro Higui para mostrar que, em outros países que aplicaram o mesmo projeto, "acabou havendo uma sobre-exploração, com redução de suas florestas sem resultados econômicos significativos".

Projeto não tem viabilidade econômica

"O que determina o preço da madeira no mercado é a madeira ilegal, porque tem custos muitos menores", compara Novaes. Por isso, para ele, a coleta seletiva de madeiras na floresta amazônica é uma opção inviável economicamente, que acaba levando à exploração irregular.

"O madeireiro ilegal geralmente faz isso em uma terra invadida, usa mão de obra de maneira exploratória. Portanto, os custos dele são bem menores que o da madeira certificada", avalia. "O que aconteceu nos países em que a concessão foi implantada, é que esses projetos de manejo acabaram atropelados pelo custo menor da madeira nas extrações ilegais".

Ele cita exemplos de países da América Latina, Ásia e África que aplicaram o mesmo modelo de gestão pública de florestas. Nesses lugares, segundo Novaes, por fim nas áreas de manejo, acabaram explorando mais a madeira do que seria permitido.

O jornalista questiona também a viabilidade ambiental do programa. "É muito difícil o manejo sustentável na Amazônia porque o número de espécimes exploráveis é muito pequeno por área", afirma. Além disso, destaca que a maior parte das espécies "demoram anos e até séculos para chegar à maturidade".

O projeto de lei também pode gerar uma seleção natural às avessas. Novaes cita estudo do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, outro estudioso da Amazônia. "Quando você faz um manejo que parte da retirada dos melhores espécimes, você desencadeia um processo de seleção às avessas, que vai destruindo a espécie".

Para ele, a exploração da Amazônia poderia ser mais "inteligente". Novaes propõe que os tipos de árvores sejam cultivados fora da floresta e não retirados de dentro dela.

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