Memória Afetiva dos Irmãos Villas-Boas e do Parque do Xingu

 

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Das férias adolescentes a pesquisas científicas entre os índios do Xingu, o rico relato pessoal de George Zarur nos revela o ponto de vista do garoto que virou antropólogo ao conviver com índios e personalidades que guiaram momentos históricos, como o esforço para a criação do Parque Indígena do Xingu.  A relação com os índios e as pessoas que construíram o indigenismo brasileiro influenciaram a vida do futuro cientista e professor.
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George Zarur

The Villas-Bôas brothers
Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Boas (via Wikipedia)

A amizade com os irmãos Villas-Boas, que enriqueceu minha existência, teve início em 1960 no Governo de Juscelino Kubitsheck, quando meu tio Nelio de Cerqueira Gonçalves foi designado Presidente da Fundação Brasil Central (FBC). A FBC construía na Ilha de Bananal, um hotel de turismo com projeto de Oscar Niemeyer, um hospital e uma pista de pouso. Hoje, as ruínas dessas obras são “curiosidade histórica”.

Após a saída de Rondon do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Boas, revoltados com os desmandos e a corrupção que tomaram conta do órgão indigenista encontraram abrigo na Fundação Brasil Central. Envolvidos na “Operação Bananal”, Orlando e Cláudio ensinavam os brancos a respeitar os índios e a valorizar sua maneira de ser, enquanto Leonardo tocava as obras civis. Assisti a manobras de impressionantes balsas, sob o seu comando, capazes de carregar quatro caminhões caçamba “FNM”. Os comboios eram impulsionados rio acima por heróicos motorzinhos de popa suecos da Marca “Archimedes” de 12 hp, cuja importância ainda será reconhecida para a história da Amazônia. A ouvir o “tactactac” dos Archimedes, presenciei a chegada à Santa Isabel do Morro, na Ilha de Bananal, de regatões de origem árabe, os barcos carregados de uma inacreditável diversidade de quinquilharias. Traziam encomendas de índios e sertanejos, negócios celebrados há muitos meses. Alimentos cortes de chita, panelas e bules de alumínio, cobertores, redes, alpargatas, brinquedos, exemplares de revistas e muito plástico.

Parque do Xingú

Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro, importante força na criação do Parque Indígena do Xingú (via Wikipedia)

Em 1961, durante o governo Jânio Quadros, Orlando e seus amigos usaram, por vezes, nossa casa em Brasília para encontros que levariam à criação do Parque do Xingú. Reuniram-se com José Aparecido de Oliveira (Chefe de Gabinete de Jânio Quadros), Jorge Ferreira, (jornalista do “O Cruzeiro”) e Clemente Mariani.

No Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão, apresentados a Orlando por Noel Nutels, redigiram argumentos para justificar a criação do Parque. O segundo filho de Orlando, atuante em defesa dos interesses indígenas, foi batizado com o nome de Noel, em homenagem a Nutels. Em 1961 saiu, finalmente, o decreto de criação do Parque, embora enorme área fosse subtraída da proposta original dos Villas-Boas.

A fundação do Parque do Xingú representou importantíssimo movimento na história das relações entre índios e brancos no Brasil. Integrou a revolução cultural que inventou Brasília, a bossa nova, Grande Sertão: Veredas” e “Formação Econômica do Brasil”. Rondon, nos primórdios do século XX, assegurou aos índios o direito à vida, em um tempo em que o evolucionismo biológico preconizava sua extinção física.

Os Villas Boas iniciaram uma nova era em que a diversidade cultural e a garantia da terra eram consideradas pilares da política indigenista. Lutaram pela gradativa tomada de consciência pelos índios do valor de sua identidade e da importância de sua organização política. A resistente identidade dos índios do Xingú deve-se, em primeiro lugar, ao seu próprio discernimento, mas também, a longas conversas dos finais de tarde que líderes, como Megaron e Aretana, mantiveram com Cláudio e Orlando por anos a fio.

Irmãos Villas Boas

Orlando e Cláudio Villas Boas (J.P. arquivo da família Villas Bôas, Wikimedia)
Orlando e Cláudio Villas Boas (J.P. arquivo da família Villas Bôas, Wikimedia)

Em 1961, antes de minhas férias de Julho no Xingu, Orlando acompanhou-me, a pedido de minha mãe, a uma das poucas lojas de Brasília, para comprar meu presente de aniversário de quinze anos. Não tirou os olhos de uma carabina calibre 22 fabricada na então Tchecoeslováquia, popularmente conhecida por “CZ”. O nome tcheco era tão complicado que a abreviatura bastava para a identificação. Desejava outra coisa, uma bicicleta a motor, como uma “Mobilete” (Caloi) ou “Monareta” (Monark), mas Orlando convenceu-me com o argumento de que “aquela era a arma dos índios e dos sertanistas”. Tenho-a até hoje e a trato como uma jóia.

Orlando era um comunicador espontâneo, uma fonte perene de afeto, o que o fazia capaz de tranqüilizar índios pintados para a guerra ou de conseguir o apoio dos políticos de Brasília. Fascinavam sua inteligência e vivacidade. Cláudio era quieto e estudioso. Podia discorrer por longos períodos sobre Filosofia do Direito, capacidade que aliava à de exímio atirador. Ficava por horas, sem errar uma única vez, a atirar de revolver em folhinhas vistas com dificuldade a boiar a mais de trinta metros na correnteza do Xingu. Leonardo faleceu em 1963 e o antigo Posto Indígena “Capitão Vasconcelos” passou a se chamar “Posto Leonardo Villas-Boas”.

Xingu: guerra, aventura e antropologia

Continuei a visitar o Xingu. Em 1963, uma caminhada de cerca de seis quilômetros por estreita trilha na mata separava o Posto Leonardo da Aldeia Kamaiurá. Hoje, a estrada que a substituiu não chega a ser uma rodovia, mas permite o trânsito de caminhões. Em companhia de dois estudantes da Universidade de Brasília, cheguei à aldeia Kamaiurá, cuja população preparava-se para abandoná-la devido a um iminente ataque dos índios Txicão, denominados Ikpeng, nos tempos de hoje. Retornamos correndo para o Posto Indígena, quando fomos ultrapassados por Kamaiurás em fuga, muito mais rápidos. Encontramos ameaçadoras flechas txicão a sinalizar árvores da trilha, segundo o clássico artifício de guerra psicológica.

Descalço, fui picado na sola do pé por um animal que não consegui ver, mas, é claro, pensei imediatamente em alguma cobra venenosa. Minha perna ficaria em breve totalmente imobilizada. Cheguei ao Posto Leonardo pulando em um só pé, abandonado por meus colegas que preferiram sua segurança à companhia de um saci pererê improvisado. Fui examinado por Paulo Vanzolini e pelo médico e antropólogo físico Pedro Lima. O diagnóstico foi “picada de Formigão”, a célebre formiga Tocandira. Paulo Vanzolini cantarolava músicas caipiras e ensaiava as letras de um futuro grande sucesso. No dia seguinte já voltava a andar normalmente.

Devido à ameaça de ataque iminente, o Posto Leonardo se transformara em campo de refugiados que buscavam a proteção dos “caraíbas” (termo que designava os “brancos”). Centenas de pessoas, quase a totalidade dos índios do Xingú, passaram a noite acordadas, em estado de pânico coletivo. Era tanta gente aglomerada ao redor das casas do Posto, que não havia espaço para se deitar. Além do que, dormir não seria possível, dada a conversa gritada, nervosa, dos presentes. Muitos passaram sede, com medo de descer os quinze metros que separavam o Posto do Ribeirão Tuwatuwari. Muitos passaram fome, pois, na fuga apressada tudo tinham deixado na aldeia e os mantimentos do posto rapidamente se esgotaram.

Após três dias, constatou-se que os Txicão tinham se distanciado e os refugiados voltaram para suas aldeias. O medo tinha suas razões, pois os Txicão haviam atacado recentemente a Aldeia Waurá, de onde seqüestraram duas mulheres. Rondaram diversas outras aldeias.

Em 1964, estudante do ensino médio, acompanhei ao campo, o antropólogo Eduardo Galvão. Galvão, hoje quase esquecido, foi o primeiro brasileiro a conquistar um Ph. D em antropologia no Exterior, na Columbia University, com Charles Wagley, que mais tarde seria também meu orientador. Gozava de merecido prestígio. Bondosamente designou “monitor” o estudante que ajudou a carregar as peças de uma coleção etnográfica que permanece até o presente sob a guarda da UNB. Pedro Agostinho da Silva, aluno pós-graduado de Galvão, ensinou-me a fazer o diário de campo. Incumbiram-me da descrição dos objetos trocados na cerimônia comercial denominada “Moitará”.

O milagre da comunidade Iawalapiti

Menina Yawalapiti brinca na estrutura da nova oca de seu tio
Menina Yawalapiti brinca na estrutura da nova oca de seu tio

Os xinguanos sofreram pesadamente com epidemias trazidas pelos brancos, contra as quais populações indígenas isoladas não possuem defesas. Particularmente cruéis foram os efeitos da epidemia de sarampo de 1954, quando etnias inteiras desapareceram. Após esses devastadores surtos de gripe e sarampo, a malária endêmica transformou-se no principal fator a diminuir a esperança de vida dos índios do Xingu. Pelo que fui informado quase desapareceu, mas estaria a recrudescer recentemente.

A uma distância de pouco mais de 1 km do Posto Leonardo existia uma casinha habitada pelos sobreviventes Iawalapiti encontrados por Orlando entre os Kamaiurá. Ali viviam pouco mais de uma dezena de pessoas em torno dos seus gentis líderes, os irmãos Kanato e Sariruá. Orlando e Cláudio reconstituíram diversas aldeias, permitindo o reviver de comunidades inteiras. Saíam reunindo os sobreviventes de tribos dizimadas espalhados nas aldeias que restaram. Atualmente, centenas de descendentes dos moradores daquela casinha vivem em uma bela aldeia na confluência do Ribeirão Tuwatuwari com o Rio Kuluene.

A impressionante recuperação demográfica de populações como a xinguana é motivo de júbilo para quem acompanha a situação dos índios brasileiros. Cumpre ressaltar o papel desempenhado pela Escola Paulista de Medicina (hoje Universidade Federal de São Paulo) no Alto Xingu. Vi o médico Roberto Baruzzi, professor da instituição e seus alunos se desdobrarem na assistência e em pesquisa sobre a saúde indígena, campo do conhecimento específico por eles delimitado. Na Escola Paulista foi criada a cadeira “Saúde Indígena”, cuja área de atuação era o Parque do Xingu.

 

As ameaças ao cotidiano Xinguano

O Xingu dos anos 60 era uma terra contestada por brancos que tentavam seguidamente invadi-la.

Caçadores de peles de animais como onça e ariranha de quando em quando adentravam a região do Djauarum. Os índios avisavam Cláudio que saía em perseguição dos invasores. Certa vez, ao lado de Cláudio, persegui caçadores de pele denunciados pelos gritos de uma ariranha ferida à bala, que produzia um som agudo que lembrava o de um ser humano em desespero. Houve troca de tiros na qual usei meu presente de aniversário, mas os invasores conseguiram fugir graças a um motor de popa mais potente. Por vezes, eram capturados e recebiam de Cláudio e Orlando a informação de que não deveriam mais retornar, pois se o fizessem ficariam à mercê dos índios. Assim foi preservado o Parque do Xingu.

Em 1965, Eduardo Galvão e outros professores foram exonerados da UnB por razões políticas. Quase todo o corpo docente da Universidade demitiu-se solidariamente. Estudante de graduação passei um período com Herbert Baldus no Museu Paulista, mas retornei à Brasília e me formei em economia. Só voltaria à antropologia no último ano da universidade com a chegada de Roque Laraia e Júlio César Melatti do Rio de Janeiro. Mas o contato com Orlando e Cláudio não foi perdido, amigos da família, que sempre nos visitavam em Brasília.

Retornei ao Xingu em 1971/72, acompanhado de minha esposa, a antropóloga Sandra Beatriz Zarur, para a pesquisa de campo da minha tese de mestrado no Museu Nacional. Lá estavam os Villas-Boas. Orlando no Posto Leonardo no Sul do Parque. Cláudio, desde os anos 60, no Posto do Djauarum, que assistia os grupos do Norte da área: Suyá, Kayabi, Juruna e Kayapó Txucahamãe.

Os assim denominados “xinguanos”, distribuídos segundo uma distância maior ou menor do Posto Leonardo, compõem a “área cultural do Alto Xingu” descrita por Galvão. Compartilham uma cultura comum, apesar das diferenças lingüísticas. O Alto Xingu é a melhor prova negativa da hipótese de Sappir-Whorf, que postula relações diretas entre língua e cultura, pois com línguas diversas, os xinguanos têm os mesmo costumes, rituais e sociedade. Já os habitantes do Norte do Parque têm culturas contrastantes e línguas diferentes. Sua única forma de articulação provinha da influência do Posto do Djauarum. Nessa viagem de 71/72 permanecí quase todo o tempo na pequena e distante Aldeia Aweti, no Alto Xingu.

Os dois postos indígenas funcionavam como centros de assistência à saúde. Pessoas doentes buscavam os cuidados competentes da enfermeira Marina Villas Boas, esposa de Orlando. Vilinhas, Orlando Villas Boas Filho, hoje Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, chorava forte como é dever de todo bebê. Estivesse Cláudio entre nós, estaria orgulhoso a provocar o sobrinho para debater Filosofia do Direito. Foi no improvável cenário do Djauarum, que ouvi Cláudio falar em Hans Kelsen.

Orlando e Cláudio procuravam manter os índios em suas aldeias, distantes dos postos. Com boas razões, consideravam nefasta a relação muito próxima com “civilizados”. Desestimulavam o contato com estranhos. Além da transmissão de doenças preocupavam-nos a desestruturação do modo de vida tradicional e a perda da identidade. Travaram duras lutas com missionários que tentavam adentrar o Xingu com a Bíblia sob o braço. Enfrentaram garimpeiros e os já mencionados caçadores de peles. O contato da grande maioria dos índios do Alto Xingu com não índios dava-se essencialmente no Postos, onde obtinham bens que, rapidamente, se tornaram indispensáveis, como facas e facões, machados, panelas de alumínio, tesouras e anzóis.

Era grande a preocupação dos Villas-Boas com a base aérea do Jacaré, situada a algumas poucas dezenas de quilômetros do Posto Leonardo. Ali moravam o sargento que a comandava e alguns soldados. Era o próximo pouso do Correio Aéreo Nacional (CAN) após o Posto Leonardo. Tornou-se um ponto de contato entre índios e brancos não controlado pela administração do Parque. Era foco de disseminação de doenças, inclusive de doenças sexualmente transmissíveis. Um tema popular de pintura corporal entre os xinguanos era o escudo da FAB. A relação com a FAB era complicada, pois o Parque dependia inteiramente dos aviões do CAN.

Contrastes: o Xingu no século XXI

Voltei ao Parque apenas em 2004, quando, na grande aldeia Iawalapiti dos tempos atuais, todos os índios do Alto Xingu prestaram merecida homenagem a Orlando, com a realização de um belo Kwarup, festa para mortos ilustres. Marina e filhos honraram-me ao me convidar para ocupar no ritual posição junto à família Villas-Boas.

Fila de índios se apresentando para cerimônia do Kuarup (Noel Villas Boas, Wikimedia)
Fila de índios se apresentando para cerimônia do Kuarup (Noel Villas Boas, Wikimedia)

Pude constatar, nessa rápida visita, que não se bebe mais água dos rios e ribeirões do Alto Xingu, pois a poluição das nascentes obrigou à perfuração de poços artesianos. A tradicional cena das mulheres equilibrando um caldeirão na cabeça na beira do Ribeirão tornou-se mais rara. Motocicletas, tratores, caminhões e barcos a motor de propriedade dos índios transitavam entre as aldeias.

Nos velhos tempos, após cruzar o cerrado do Vale do Araguaia, com escalas em Aragarças e Xavantina, os DC3 da FAB (restos norte-americanos da Segunda Guerra Mundial) voavam sobre uma mata sem fim, até pousar no Posto Leonardo. Hoje, os limites do Parque são evidentes do ar, pois é reta a linha demarcatória que separa a mata verde escura do Parque dos intermináveis cultivos de soja, que, com fertilizantes e agrotóxicos poluem as águas dos formadores do Xingu.

Os índios do Alto Xingu não se alimentavam da carne dos grandes mamíferos. A principal fonte de proteína era o pescado. Os únicos mamíferos caçados eram macacos. Em 1972, em um campo próximo às então aldeias Aweti e Mehinakú, presenciei, do alto de uma pequena elevação, a uma cena extraordinária, que lembrava os filmes das savanas africanas. Centenas, talvez milhares, de veados e cervos pastavam pacificamente, sem medo dos seres humanos. Estavam acostumados com o convívio com os índios do Xingú que não lhes trazia perigo. Soube que décadas mais tarde, em gesto de boa vizinhança, os xinguanos convidaram os índios xavante para caçar nesse campo. Com o uso do fogo na caçada, em um único dia os caçadores Xavante teriam matado mais de 30 veados e cervos.

No Xingu da década de 70 não havia circulação da moeda corrente nacional. Tampouco havia uma “moeda” local que servisse de meio de troca. Além dos poucos objetos pessoais que cada pessoa possuía, de alto valor eram as contas de miçanga cor azul rei fabricadas na então Tcheco-eslováquia, que só podiam ser encontradas na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Utilizavam-nas na elaboração de colares e pulseiras que funcionavam como ornamento, e símbolo de prestígio. Algo parecido com “jóias” na sociedade européia. Possuí-las, no Xingu era uma forma de entesourar riqueza. Aceitavam, mas com pouco entusiasmo, a miçanga de fabricação nacional, menor, vermelha ou azul clara.

Os índios, com a exceção dos que moravam nos postos não costumavam usar qualquer vestimenta. E se o faziam era como enfeite, não como abrigo para o frio, ou menos ainda, devido às noções de pudor importadas da sociedade ocidental.

 

O exemplo de bem estar da vida xinguana

Era uma vida cotidiana relaxada e alegre. Nunca presenciei o castigo físico de crianças. O tempo fluía lentamente com reuniões de todos os homens no final da tarde em frente à casa das flautas, nas quais as mulheres não podiam entrar. A rotina diária era bem diferente para homens e para mulheres. Enquanto essas ficavam, a maior parte do dia, em pequenos grupos perto da luz da porta das grandes casas xinguanas conversando, ralando mandioca e em outras atividades domésticas, os homens passavam um bom tempo nas redes, a pescar ou conversar em frente à casa dos homens.

Havia notável sincronia entre o bem estar individual, a vida ritual e a vida econômica, equilíbrio que pode estar abalado nos tempos atuais. Os xinguanos eram altamente “individualistas”, isto é, os anseios e necessidades individuais ocupavam um primeiro plano e eram respondidos pela sociedade. Sem querer idealizar a vida tradicional do Xingu, pode-se afirmar que a sociedade era concebida como um instrumento para o bem estar e felicidade da maioria dos indivíduos. Porém, o complexo da feitiçaria criava uma situação de tensão permanente.

Trabalhava-se muito pouco, segundo alguns cálculos, os homens, em média, três horas e meia. As mulheres talvez uma hora a mais. O resto do tempo era dedicado a dançar e a conversar. Todo começo de manhã o “capitão” da aldeia fazia um discurso tendo como tema, por exemplo, a necessidade de “vencer a preguiça”. Tinha-se, em geral, o suficiente para uma boa alimentação, muito melhor do que a de nossos pobres urbanos e uma vida saudável e tranqüila, apesar da malária que grassava e da lembrança terrível de epidemias devastadoras. As crianças enchiam os pátios com o som alegre das brincadeiras. A população estava em franco crescimento.

O Parque do Xingú era uma área isolada, protegida pelas distâncias e pela floresta. O único acesso dava-se por vôos supostamente semanais dos DC3 do Correio Aéreo Nacional, por um dos quais, certa vez, esperei mais de mês em Goiania. Hoje é accessível por estradas. Além das fazendas que o cercam, centros urbanos, como Canarana, crescem em suas fronteiras. O contato com os brancos tornou-se permanente.

Só espero que no Xingu seja para sempre ouvida a alegria ruidosa das crianças livres.

Que seus pais conservem a capacidade de se horrorizar com os castigos sofridos pelos filhos dos caraíbas.

Que os velhos continuem respeitados e honrados. E que todos vivam em ambientes de solidariedade e afeto desconhecidos pela cultura ocidental contemporânea.

Uma terra em que, como dizia meu querido amigo Orlando: “seja o velho, dono da história; o homem, dono da aldeia; e a criança, dona do futuro”.

 

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10 anos de Rota Brasil Oeste: nos passos dos irmãos Villas Boas

Brasília ainda se espreguiçava quando pulei da cama, lavei o rosto para curar a noite mal dormida, comi algo rápido e me despedi de quem estava acordado. Era Abril de 2001, há pouco mais dez anos atrás.

Na garagem, o Santana prata – emprestado por minha avó – esperava devidamente decorado com os adesivos colados de última hora que comprovavam o apoio fundamental de empresas e indivíduos que acreditaram na ideia de revisitar os lugares e resgatar a história dos irmãos Villas Boas e da Expedição Roncador-Xingu.

A viagem que estava prestes para começar, na verdade, foi iniciada quase por acaso. Dois anos antes de iniciarmos a viagem, ao lado de três amigos (Bruno, Fábio e Pedro), todos alunos do curso de Comunicação da UnB, decidimos fazer um projeto final de curso que unisse algumas de nossas paixões: viajar, fotografar e escrever.

Como viabilizamos o projeto

Como a premissa em comum acordo, nos faltava decidir aonde ir e qual tema enfocar. Em meio a estas discussões, o acaso nos favoreceu. Ao atender o telefone na casa dos meus pais um dia, do outro lado da linha falava Orlando Villas Boas. Orlando era um antigo amigo da família e aconteceu de ligar naquele dia.

A ficha, literalmente, caiu na hora. Esta era uma oportunidade de adicionar uma dimensão histórica ao projeto. Sentamos para conversar e mudamos o rumo da ideia: passamos a trabalhar com o objetivo de revisitar a história dos irmãos Villas Boas e da Expedição Roncador-Xingu quase 60 anos depois de seu início.

Queríamos percorrer os mesmos caminhos, visitar as cidades fundadas e conversar com os pioneiros que viveram este desbravamento do Brasil central. Registrando tudo com fotos e textos sobre o que encontrávamos no caminho.

Passamos a canalizar nossos estudos nesta direção. Pesquisamos livros, artigos e arquivos fotográficos. Realizamos um amplo projeto de marketing para atrair patrocinadores. Entrevistamos pesquisadores e lideranças indígenas. Estabelecemos contatos e contamos com apoio da FUNAI, especialmente o privilégio de sermos acompanhados pelo indigenista Guilherme Carrano, que teve a paciência de nos aguentar e mostrar o quanto ainda éramos ignorantes e ingênuos.

Recebemos a ajuda de professores e empresas. Sem dinheiro para pagar hotel, em algumas cidades onde passamos fomos acolhidos por famílias, como a de seu Pedro, em Barra do Garças, e indivíduos, como Lúcia Kirsten em Nova Xavantina. Personalidades fantásticas, personagens de um Brasil autêntico e corajoso.

Acima de tudo, no entanto, nos marcou o carinho e dedicação com os quais fomos tratados pela família Villas Bôas. Não só tivemos o privilégio de ouvir os depoimentos de Orlando e Marina em primeira mão, mas fomos recebidos como filhos, com direito a bife com arroz e feijão no almoço (que Orlando comeu acompanhado de panetone!).

Quanto mais líamos, mais nos impressionávamos com a dimensão da aventura dos irmãos Villas Bôas e o quão pouco sabíamos sobre o que talvez tenha sido o maior projeto de colonização realizado no século XX e que culminou com a construção de Brasília – nossa cidade natal. Tão conhecidos nas décadas de 60 e 70, Cláudio, Orlando e Leonardo eram, na época nomes, estranhos para gerações mais novas.

Aventura digital

Além disso, para viabilizar nossa ideia de projeto “multimídia”, escolhemos publicar notícia directo da viagem via Internet, o que se tornou uma aventura à parte. Parece algo trivial, mas em 1999 a rede era um nicho que apenas começava a ser explorado. Ainda não havia, por exemplo, sistemas estabelecidos que facilitassem a administração de conteúdo. Isso para não falar da falta de estrutura para transmissão de dados.

Neste sentido, tivemos nosso lado de pioneirismo. Na época conseguimos apoio da operadora de telefonia via satélite Globalstar, que estava prestes a inaugurar a transmissão de dados para seus aparelhos. Inauguramos o serviço, que funcionava em 9600kbps (minha internet de casa hoje é mais de 100 vezes mais rápida!) e foi lançado dias antes de partirmos em abril de 2001. Assim, nos tornamos os primeiros jornalistas a realizar a atualização e publicação de um site de internet direto do Xingu e do interior do Centro-Oeste.

Meses antes de iniciar a viagem, Fabio descobriu um obscuro serviço na Internet chamado “blogger”. A ferramenta foi a solução para não termos de programar o HTML na mão e nos permitiu atualizar o site praticamente todos os dias e ainda ter algumas horas de sono. Nunca imaginávamos que alguns anos depois o termo “blog” seria associado a uma revolução na comunicação.

Foram dois anos de intensa pesquisa, mas nada podia nos preparar para a experiência de vida que iríamos ter ao acelerar o carro e deixar Brasília naquela manhã de Abril.

10 anos depois

Nos cerca de 30 dias em que percorremos cidades, estradas e rios que levaram décadas para ser explorados, descobrimos um Brasil ignorado pelas lentes da novela-das-oito, de impressionante riqueza étnica e cultural.

Também nos defrontamos com a violência, preconceito e desafios de regiões onde a lei do mais forte ainda se impõe de maneira cruel.

De dentro do Xingu, publiquei um artigo no qual citava grandes problemas que, na minha opinião, haviam se destacado: educação, preservação cultural, pressões econômicas e devastação ambiental.

Acredito que estas ainda são questões essenciais para o indigenismo nacional.

Educação e preservação da identidade cultural continuam como pauta constante de discussão e, como tudo que diz respeito ao índio, apresenta realidade extremamente heterogênea.

Nestes dez anos que se passaram e nos quais continuei acompanhando a questão indígena, mesmo que nem sempre estivesse dedicado ao assunto, nada me chocou tanto, quanto o preconceito em relação ao índio.

O maior exemplo disso é que num momento de ampla discussão sobre os direitos de minorias, como o atual, a questão sequer é citada. Aliás, o maior indício do nível deste preconceito é que muita vezes sequer é classificado como tal.

O pré-julgamento se manifesa muita vezes na forma de uma visão romântica e paternalista. o “puro e bom nativo” – conceito que sobrevive desde o século XIX.

Mas dano maior é causado por sua versão mais virulenta. É comum escutarmos frases que classificam o índio como um enxerto na sociedade nacional, algo que está aí para ser expurgado ou absorvido. Desde que desapareça.

Este problema é ainda maior nas comunidades ao redor de grandes reservas, onde o modo de vida indígena é visto como um atraso para a região. Como nos disse Valdon Varjão, primeiro político a entrevistarmos em nossa viagem: “desvirtuaram a intenção original que era colonizar toda essa região construindo estradas e novas cidades. A idéia não era catequizar índio e nem fazer Parque Indígena”.

Em 2001, quando visitamos a reserva xavante de Pimentel Barbosa, ouvimos diversos relatos dos atritos de índios e não-índios. Um cacique local nos contou – aos prantos – a situação da filha pequena que havia sido largada no corredor do hospital local, sem atendimento adequado, enquanto outros pacientes recebiam prioridade. Descobriu-se que a menina sofria de pneumonia e ela sobreviveu graças a iniciativa de uma enfermeira piedosa.

Nos quatro primeiros meses de 2011, 34 crianças da comunidade Xavante de Campinópolis morreram por falta de atendimento médico, muitas delas mortas por pneumonia.

Pressões econômicas e destruição ambiental caminham juntas a passos largos. Quando visitamos as comunidades, uma dos maiores ameaças ao seu modo de vida era o desmatamento e a poluição das cabeceiras dos afluentes do Xingu. Os rios são a principal fonte de alimentação e água para a região.

Na semana em que visitamos o Parque, o Brasil passava pelo auge da crise do apagão. Nunca íamos imaginar que a proposta de solução para o problema se tornaria na próxima grande ameaça à região.

As nascentes dos rios continuam sob a mercê da expansão agrícola desenfreada, mas hoje o grande perigo vem do norte: a construção da usina de Belo Monte. Fruto de uma concepção falida de desenvolvimento, seu impacto ambiental promete ser devastador.

Ironicamente, o debate mais avançado sobre desenvolvimento em nível internacional caminha na direção de conceitos há muito praticados e dominados pelo índio, como o efetivo equilíbrio entre exploração e preservação da natureza.

Há, por exemplo, uma forte e inovadora corrente de economistas com argumentos sólidos para não medirmos a riqueza de um país apenas pelo seu produto interno bruto. Isto já é feito com o índice de desenvolvimento humano e agora pretende-se estender o conceito para medirmos o valor econômico aos “serviços” prestados pelo meio-ambiente, como água potável, segurança alimentar, combate natural a pragas, etc.

Sob esta ótica do potencial econômico da natureza, chamada biocapacidade, o Brasil é a maior potência mundial (Relatório Planeta Vivo 2010, WWF). O grande risco é que ainda olhamos para estes recursos como se fossem bens infinitos a serem explorados inesgotavelmente. Neste sentido, ainda temos muito a aprender com quem enxerga a natureza não como dádiva divina, mas como a divindade em si.

Aragarças e Barra do Garças

Nossa primeira parada foi também a base de partida da expedição Roncardo-Xingu nos anos 40 e, mais tarde, também foi importante para o trabalho da Fundação Brasil Central.

Ouvimos uma declaração de Valdon Varjão, ex-garimpeiro, ex-senador biônico durante o governo militar, que resume a visão do “índio como atraso” para o país:

“Acho que os irmãos Villas Bôas desvirtuaram a intenção original (da expedição Roncador-Xingu) que era colonizar toda essa região construindo estradas e novas cidades. A idéia não era catequizar índio e nem fazer Parque Indígena.”

Um conceito desenvolvimentista antiquado, ligado à ideia do progresso como asfalto, fumaça e exploração desenfreada da natureza.

Nova Xavantina

Vivenciamos na pele algumas das tensões que estavam acesas na região. Próximo à cidade está o lendário garimpo de Araés, que fomos visitar. Chegando lá encontramos um grupo de garimpeiros que estavam no local ilegalmente. Desci do carro de peito aberto, com a coragem que só os ignorantes têm e fui recebido por senhor que agarrou minha camisa e logo revelou o fio do facão que ocultava nas suas costas. Felizmente, tudo acabou bem. Explicamos que não éramos na polícia e o porquê da nossa visita e eles concordaram em nos ceder uma entrevista. É claro, concordamos com absolutamente todas as opiniões deles.

Também nos levaram para ver a dimensão do estrago do garimpo na natureza local. De volta à cidade entrevistamos Sinvaldo Vieira Rodrigues, ex-garimpeiro que sofria de silicose, doença terminal causada pela respiração do pó da pedra. Ele nos contou que perdeu o irmão e mais de sessenta colegas vítimas do mesmo mal ou acidentes de trabalho nas minas. “A única coisa que o Araés já fez foi matar muita gente”, dizia.

Água Boa e Canarana

No final da década de 1960, o Governo Federal criou diversos incentivos à colonização do centro-oeste brasileiro. As oportunidades chamaram a atenção de agricultores gaúchos. Como várias outras localidades, Água Boa e Canarana foram fundadas por estes pioneiros.

Em 2001, a região era uma interessante mescla étnica, mas também palco de preconceito violento e muitos atritos. O problema é maior na região não apenas pela proximidade e choque de culturas, mas também pela incompetência do estado, que cedeu terras a agricultores dentro de áreas de ocupação indígena tradicional. Anos mais tarde, o mesmo estado que incentivou a ocupação da região expropriou vários pequenos produtores para criar reservas indígenas.

O ônus desta falta de preparo dos governos é pago até hoje, tanto por agricultores, quanto por índios.

Pimentel Barbosa, Xavantes

Passamos apenas uma tarde numa conversa rápida com os antigos sobre a chegada do não-índio à região. “O pessoal sabia que tinha outro povo por causa do jeito diferente da queimada, da fumaça. (…) Eu pensava que eles estavam todos pintados, por causa do pêlo na cara e no corpo”, nos contou Rupawe, que era adolescente quando duvidava dos boatos sobre “brancos” na região.

Menos protegidos que os xinguanos, os Xavantes conquistaram seu espaço com muita luta. Como nos contou Sereburã: “Nós mesmos tocamos os fazendeiros. Por isso que temos este espaço (reserva de Pimentel Barbosa) pequenininho hoje. Pra branco é grande, pra nós é pequeno. (…) Agora vivemos aqui, espero que vocês (não-índios) respeitem a gente e nossos direitos”.

Posto Leonardo, Xingu

Nada podia nos preparar para o que nos esperava no Xingu, um dos mosaicos étnicos mais ricos do mundo. O impacto daqueles meros dez dias é sentido até hoje. Estar lá nos levou a questionar e reavaliar diversos valores, ideais e outras tantas coisas que enxergamos como “naturais”. Era como se olhávamos a nossa realidade como algo estranho e artificial.
Finalmente entendemos o que levou três irmãos a abandonarem suas confortáveis vidas urbanas para se embrenharem por mais de 30 anos em uma luta contínua, enfrentando mata fechada, doença, violência, politicagem etc: a preservação da diversidade humana.

Washington Novaes volta à Terra Mágica e em nova série de documentários revela: hoje ela é uma Terra Ameaçada

Vinte e dois anos após descortinar para o Brasil e o mundo a beleza, mistérios e encantamentos dos povos indígenas do Xingu, o documentarista Washington Novaes faz um retorno a esse universo mágico e o reencontra transformado.  Ilhado entre pastagens, estradas, e extensas áreas desmatadas para o plantio de soja,  o  Parque Indígena do Xingu e seus habitantes sofrem os efeitos da devastação ambiental ao seu redor e da proximidade, cada vez maior, com a chamada sociedade envolvente. As aldeias estão invadidas por antenas parabólicas. Os pajés vão desaparecendo, porque os jovens não querem mais saber da missão sacrificante. Hoje, assistem televisão, querem usar roupas de fábrica, tênis, óculos escuros e – suprema ambição – passear de moto pela aldeia.

Porém, mesmo transformado,  o  Xingu  preserva sua magia e penetrar nesse universo, segundo Washington Novaes, ainda exige “uma mudança radical de perspectiva”. Em 1984, ele mesmo experimentou essa mudança,  durante um mergulho de dois meses no cotidiano dos grupos indígenas Waurá, Kuikuro, Txukarramãe (atual Mentuktire) e Kren-Akarore (hoje Panará). Dessa experiência resultou uma das mais belas séries de não-ficção já exibidas pela tv brasileira: “Xingu, a Terra Mágica”, projeto executado pela Intevídeo Comunicação, para a extinta Rede Manchete. A série, de 10 programas, foi aplaudida pelo público e pela crítica, chegando ao último capítulo consagrada por 20 pontos no Ibope em todo o país.

Com a série de Washington Novaes, pela primeira vez, o Brasil conseguia enxergar sem preconceitos o  mundo e a cultura do índio. Descobria encantado as crenças, os mitos, a organização social, o jeito de viver dos povos do Xingu. O cacique Raoni se lançava para o mundo como porta-voz das nações indígenas. O próprio documentarista se transformou e ensinava:  “O encontro com o índio é um mergulho em outro espaço, em outro tempo, Um espaço aberto, de céu e terra, amplo, água e fogo. Um espaço colorido e pródigo, povoado por animais, vegetais, minerais e espíritos”. 

Em seu novo mergulho no Xingu, em 2006,  Washington Novaes  reviveu as mesmas sensações. Como ele diz: “Este ainda é um momento de coexistência das duas culturas, a do índio e a do branco”. Graças a isso,  pode registrar não só as mudanças negativas ocorridas ao longo das duas últimas décadas, mas também belos e comoventes flagrantes de manifestações culturais mantidas bem vivas pelos quatro grupos indígenas novamente documentados. A Festa do Pequi, a Festa do Espírito do Beija Flor, a Dança do Papagaio, o Kuarup,  um ritual para agradar o espírito que roubou a alma de um rapaz,  a iniciação dos jovens com a bateção de marimbondos e uma  emocionante e espontânea reconstituição feita pelos Metuktire do momento histórico do primeiro contato com os irmãos Villas-Boas. Todos esses acontecimentos serão mostrados na nova série.

Para esse reencontro com o Xingu, Washington conseguiu reunir companheiros que partilharam com ele as emoções da primeira aventura: Lula Araújo como diretor de fotografia e João Paulo Carvalho, como diretor de edição. Antônio Gomes, o Painho, técnico de som, não pode acompanhar a turma desta vez. Entre os integrantes da equipe da nova série estão Siron Franco,  diretor de arte; Pedro Novaes, diretor de produção; Marcelo Novaes, fotógrafo de still; Pedro Moreira, técnico de som; João Novaes e Cláudio Pereira, produtores executivos. A equipe incorporou ainda, como assistentes de fotografia, dois jovens cineastas das aldeias Kuikuro e Panará: Marica Kuikuro e Paturi Panará, ambos treinados pelo projeto “Vídeo nas Aldeias” e com filmes já exibidos em festivais.

Batizada como “Xingu, a Terra Ameaçada”, a nova série de Washington Novaes será lançada em abril, sob o patrocínio da Petrobrás, da Natura e da Ancine. Dividida em cinco programas, de 50 minutos cada,  formará  um conjunto com os dez capítulos da série anterior,  que serão exibidos novamente.  Washington também pretende relançar o livro “Xingu, Uma Flecha do Coração” e ainda publicar  o diário da nova experiência. Com mais de 50 anos de atuação profissional, Washington Novaes,  foi editor-chefe do Globo Repórter na época de ouro do programa, de 1977 a 1981. Desde então  iniciou sua bem sucedida trajetória como documentarista, ligado sobretudo às questões ambientais. Tem vários trabalhos premiados no Brasil e no exterior, como o próprio “Xingu”,  o documentário “Amazônia, a Pátria da Água” e as séries “O Desafio do Lixo” e “Os Caminhos da Sobrevivência”.

O Encantador de Gente

Orlando a todos encantava. Vi Orlando “brabo”, mas nunca o flagrei triste por mais de uns poucos instantes. O afeto que espontaneamente espalhava, explica sua capacidade de acalmar guerreiros pintados para a morte e de conquistar o apoio de políticos para causas humanitárias. Fascinava e o fazia para o bem.

Os índios do Xingu consideram Orlando um herói, com correto senso de justiça. Os Yawalapiti não se esquecem que Orlando convenceu os sobreviventes de sua tribo a reconstruir sua aldeia. Ainda guardo a imagem de uma única casinha habitada por uns poucos remanescentes Yawalapiti, que se transformou, hoje, em belíssima aldeia com mais ou menos 200 habitantes. Ameaçadas de desaparecimento, e revividas no Alto Xingu, foram também as etnias Maitipu, Nahukwa, Trumai e Txicão. No Médio Xingu, os Suiá, Juruna e Kayabi passaram por processo semelhante. Não tivessem sido os Panará, emergencialmente, levados para dentro do Parque do Xingu teriam desaparecido por completo, dada a decisão do governo militar de tomar sua terra.

Em 1961, primeira vez que estive no Xingu, a região era habitada por poucas centenas de índios, que ainda se recuperavam da devastadora epidemia de sarampo de 1954. Em 1971, quando retornei à área, para viver entre os índios Aweti – convencido que fui pelos Villas Bôas a estudar antropologia – encontrei alguns adultos e multidões de crianças correndo pelos ensolarados pátios das aldeias. Já se prenunciava a recuperação de um padrão demográfico que asseguraria a continuidade da vida social. Graças à proteção física, cultural e política oferecida pelo Parque do Xingu, hoje, sua população é de mais de quatro mil índios.

Os índios do Xingu estão plenamente conscientes do papel dos Villas Boas, mas muitos caraíbas (“brancos”) não sabem que a política indigenista brasileira do século XX foi marcada por Rondon e pelos Villas Bôas. Rondon, no começo do século XX, revolucionou o que era, mas ainda não se chamava, "política de direitos humanos". Convenceu o País, definitivamente, de que os índios tinham o direito à vida. Rondon enfrentou e derrotou, ideológica e politicamente, o evolucionismo dominante no seu tempo, que pregava a sobrevivência dos mais aptos e o extermínio dos mais fracos, como um imperativo biológico.

Os Villas Bôas, em íntimo contato com a melhor antropologia dos meados do século XX, pertenciam a um grupo intelectual e afetivo que reunia os antropólogos Eduardo Galvão e Darcy Ribeiro e o médico Noel Nutels. Esse grupo foi responsável pela idéia de que a terra deveria ser preservada, como condição para garantia da vida dos índios. Mas não só: afirmou-se pela primeira vez, que a cultura indígena representava um valor humano essencial que, também, deveria ser protegido. Coube aos Villas Bôas participar da elaboração desses princípios e, ainda, de sua aplicação eficaz. Esta foi outra revolução na política de direitos humanos, no Brasil e no mundo, pois era reconhecido o valor da diversidade cultural. Esta era época em que os estados nacionais – dando seqüência a uma política iniciada com a revolução francesa – atuavam no sentido inverso, o da universalização de uma cultura hegemônica em seu território, que se confundiria com a "cultura nacional". A luta pelos direitos dos índios a uma cultura própria representou uma verdadeira ruptura intelectual e política, na qual os Villas Bôas tiveram um papel decisivo.

Orlando nos conta de um outro Brasil, com o qual ele mesmo, Cláudio, Leonardo, Álvaro, Noel, e tantos outros viviam em comunhão e ao qual dedicavam infindável lealdade. Suas memórias, seus “causos” e sua luta pelos índios são narrados com a elegante simplicidade com que falava e encantava os que tiveram suas vidas enriquecidas por sua amizade.

Que bom, Orlando, ouvi-lo de novo!

Por George de Cerqueira Leite Zarur

Um fuzil e 50 balas

O comando da Marcha para o Oeste, como ficou conhecida a vanguarda deste avanço do desbravamento, foi dado ao Coronel Flaviano de Mattos Vanique, homem de confiança e membro da guarda pessoal do presidente. Como havia sido pensada no início, a iniciativa era essencialmente uma expedição de colonização. A frente deveria abrir estradas, identificar locais propícios para a abertura de cidades e implementar campos de pouso, única ligação da região com o resto do país.

Um pequeno grupo de frente, formado por cerca de 40 homens recrutados na região, ficou sob o comando do coronel. A idéia era contar com sertanejos rudes o bastante para agüentar a vida no mato. Eles vinham principalmente dos sertões do Centro-Oeste e da Bahia ou de corruptelas garimpeiras locais e nada se perguntava sobre seu passado. Além do treinamento que tinham recebido da própria vida, cada homem ganhou um fuzil, 50 balas e um par de botinas.

Foi assim que, em julho de 1943, depois de uma ampla campanha para arredar doações para viabilizar seu início, a expedição partiu rumo ao Araguaia, num desastroso comboio militar com mantimentos cuja maioria estragou ou ficou pelo caminho. O transporte testou os mais variados tipos de transporte da época, desde o trem até lombo de mula.

No noticiário da época, a expedição disputava atenção com a Grande Guerra. A imprensa contava histórias de índios assassinos, instigando o imaginário da população urbana. O Vale do Araguaia aparecia como uma região quase fictícia e aparecia habitada por criaturas, seres sobrenaturais ou “índios vampiros” como a revista Cruzeiro defendeu em uma de suas reportagens mais populares.

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Orlando Villas Bôas


Orlando Villas Bôas. Foto: Fábio Pili

Orlando Villas Bôas foi o maior dos humanistas que conhecemos. Ao lado dos irmãos, únicos brasileiros indicados duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, enfrentou o desafio de fazer o que acreditava ser certo. Mudando a mentalidade de uma expedição desenhada para massacrar, os Villas Bôas reescreveram a história da colonização do Brasil-Central. No lugar do rifle, adotaram o abraço, o respeito e a palavra.

Orlando falava com os olhos, com as mãos. Com a mesma disposição e prosa, ganhou a simpatia de reis, como Leopoldo III da Bélgica, ou de sertanejos, como o companheiro de expedição Zé Goiás. Esse também foi o segredo do mais extrovertido entre os Villas Bôas para sobreviver aos governos, desde Getúlio aos militares, mantendo vivo um projeto com dimensões inigualáveis em qualquer outro lugar do mundo: preservar cerca de 16 nações indígenas num território maior que muitos países europeus. O resultado foi a campanha pelo Parque Indígena do Xingu, oficializado em 1961. Feito tão brasileiro e revolucionário, quanto seus realizadores.

Nascido em Botucatu, interior de São Paulo, em 1914, Orlando era filho de fazendeiros. Trabalhou em escritório de advocacia e serviu ao Exército – onde só obedecia "às ordens que julgava certas". Depois de um período na área de contabilidade da Esso, pediu demissão e foi com os irmãos para o Mato Grosso, atrás da Marcha para o Oeste em 1943. Numa época de Brasil rural, onde consciência ecológica era algo impensável, os Villas Bôas optaram por manter verde em vez de asfaltar.

No contato com os índios, as lições aprendidas com Marechal Rondon: "morrer se for preciso, matar nunca". Passaram por cima de interesses religiosos, comerciais, minerais e ainda formaram uma geração de líderes indígenas, como cacique Aritana dos Yawalapiti – verdadeiro estadista.

Dos três dias que passamos ao lado de Orlando, ficou o bom humor e a simplicidade de quem adorava panetone acompanhando arroz, feijão e bife. Sua personalidade foi inspiração pessoal e exemplo de vida inesquecível para quem ainda firmava o leme ao sair da Universidade.

A tribo de cá perde um amigo, um pajé, um exemplo. A lá de cima festeja tudo isso, além do sorriso acolhedor que fica na memória.

Bruno Radicchi, Fábio Pili, Fernando Zarur, Pedro Ivo e Pedro Borges – Rota Brasil Oeste.

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Entrevista com Orlando Villas Bôas

Documentário

Ouça o documentário produzido para o Rota Brasil Oeste sobre o trabalho dos irmãos Villas Bôas e a Marcha para o Oeste.

Formato Windows Media: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3

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Entrevista Orlando Villas Bôas

Em 1944, Orlando, Cláudio e Leonardo já haviam deixado São Paulo e integravam o quadro da "Marcha para o Oeste" se passando por sertanejos analfabetos. Pouco tempo depois, quando foram desmascarados, passaram a comandar certas atividades nas bases de apoio. Com a descoberta dos índios no caminho e a desistência do chefe oficial, coronel Vanique, de acompanhar a vanguarda da expedição, os três irmãos assumiram o comando da equipe que iria desbravar o oeste brasileiro.

Rota:Como você vê, hoje, a expedição?

Orlando: A expedição foi um movimento de interiorização criado pelo Getúlio. O Brasil Central era uma área vazia. Você vê, por exemplo, a Serra do Roncador, hoje, deve ter umas quinze cidades. Tudo isso foi idéia do Getúlio, ele queria provocar o processo de interiorização.

Rota: E a região central brasileira era totalmente desconhecida?

Orlando: Nós fizemos avançada no rio Maritsauá e não tinha nada, só índio. Que nos deram sustos prá daná. Hoje está cheio de cidades, e era isso que o Getúlio queria. Porque quando ele saiu de vôo e foi até o Araguaia, ele voltou escandalizado. Ele disse: “É o branco do Brasil Central.” Quer dizer, nós estamos em um país vazio. E naquela época, o mundo estava em guerra. Na Europa levataram essa perspectiva do espaço vital. A Europa estava superpovoada, e falava-se de ocupar esses vazios do Brasil Central com as populações excedentes européias. Um cidadão, grande político europeu, não sei se era francês, declarou que já estava na hora de ocupar os vazios do Brasil Central com as populações excedentes da Europa. Aí ele veio aqui e foi muito mal recebido, o presidente do estado não quis recebê-lo. Ele não quis receber a figura do governo francês, por causa das declarações que ele deu lá. E então essa idéia começou a ceder devagarinho, porque não estávamos disposto a ceder terras para a população européia, o Brasil estava demograficamente explodindo. Isso que eu estou falando é 1943, 44, tínhamos 40 milhões de habitantes. Agora, veja você, hoje nós temos 200 milhões! Um salto canalha! Pra você ver uma coisa, em 50, 60 anos, triplicou a população! Daí veio o plano da "Marcha para o Oeste".

Chegando na margem do Rio das Mortes, a expedição tinha de caminhar com Coronel Vanique (primeiro chefe da expedição), mas ele tirou o corpo fora por causa dos índios xavantes. Foi quando o (ministro) João Alberto chegou e disse assim: "Coronel, porque que tu não fazes o seguinte, tchê. Ponha a vanguarda da expedição com estes três rapazes, os três irmãos Villas Bôas, eles são dispostos". Aí, o Vanique ficou no Rio das mortes e nós entramos com a expedição. Quer dizer, o Cláudio e o Leonardo. Fiquei porque o grupo, eram oito sertanejos, teria que ter o abastecimento e eu cuidava da tropa. Toda semana eu, Vergílio e mais outro sertanejo, nós saímos com quatro ou cinco mulas levando a carga pro pessoal da expedição. Nisso nós levamos um ano atravessando a Serra do Roncador até que chegamos nas matas do Rio Kuluene. Pelo caminho nós íamos fazendo ranchos e os índios iam queimando os ranchos. Tinha que ter um cuidado danado, a gente chegava com a tropa amarrava os burros e eles cortavam a corda durante a noite e chegava de manhã e a burrada tinha fugido toda. Aí você precisava procurar burro… putz… era um perigo desgraçado porque tinha índio pra daná naquele tempo mas eles não atacaram a gente nenhuma vez. Só uma vez que eles fizeram uma tocaia muito grande.

Foi uma sorte nossa, os trabalhadores estavam caminhando, eram mais ou menos uns 15 trabalhadores, e o encarregado do rumo era o Cláudio, ele estava com a bússola. Chegou uma hora lá que começou uma gritaria de índio do lado direito da picada, era mulher, criança e homem fazendo barulho e avançando. O Cláudio reuniu todos num lugar só e ficou ali e aquela coisa se aproximando, se aproximando. Por uma sorte danada, tinha um cupim enorme na picada e o Cláudio resolveu subir nele – era um cerrado baixo – para ver se enxergava alguma coisa da gritaria que estava chegando. Só que o Cláudio subiu olhando para cá e a gritaria vinha do outro lado, quando ele subiu foi exatamente na hora que um grupo de uns 40 ou 50 índios xavantes com uma folha de palmeira na frente levantou e saiu correndo, eles iam chegando camuflados. Aí o Cláudio gritou pro pessoal, nossos homens eram todos armados, mandando apontar os mosquetões pra cima e deu uma descarga de tiro pro ar. A gritaria parou e os índios de cá fugiram, eles ficaram com medo daquele tiroteio danado, mas não foi nenhum tiro pro lado deles. Aí os índios passaram a nos vigiar e nos seguir. Há uns 500m, 1km na picada a gente percebia eles nos acompanhando. Até que nós chegamos na mata, lá os índios voltaram. Os xavantes não gostam de mata, eles são índios do cerrado. Ali nós fizemos um campo que hoje é uma cidade chama-se Garapu e no rastro nosso, esses acampamentos todos que fomos fazendo, foram se transformando em cidades: Canarana, Água Boa, Garapu… Hoje tem mais ou menos 18 cidades na Serra do Roncador.

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O fascínio de uma das regiões mais inexploradas do mundo e as visitas ilustres à expedição.

Os momentos de tensão durante os anos da Marcha para o Oeste.

Orlando e sua esposa, Marina Villas Bôas, contam um pouco sobre a família do índio brasileiro, a situação da mulher e da criança na tribo.

Documentário

Ouça o documentário produzido para o Rota Brasil Oeste sobre o trabalho dos irmãos Villas Bôas e a Marcha para o Oeste.

Posto Leonardo Villas Bôas

Leonardo Villas Bôas, ao lado de Orlando, Cláudio e personalidades como Marechal Rondon, Noel Nutels e Darcy Ribeiro, foi um dos idealizadores do Parque Indígena do Xingu. Infelizmente, no mesmo ano da criação da reserva, 1961, Leonardo morreu de problemas cardíacos. Como homenagem ao seu trabalho desde o início da Expedição, o antigo posto indígena Capitão Vasconcelos, principal base do Alto Xingu, foi renomeado Leonardo Villas Bôas.

Localizado às margens do rio Tuatuari, o posto atende a mais de oito etnias, como Kuikuros, Kalapalos, Iaualapiti, Kamaiurá, Waurá e Aweti. O local foi escolhido ainda na época do avanço da Expedição Roncador Xingu, pois era necessária a construção de uma ampla pista de pouso, com capacidade para receber aviões maiores, melhorando a capacidade de abastecimento do grupo.

casapostoleonardo.jpgDepois de procurar em diversas praias, finalmente foi encontrado um local ligeiramente elevado e plano, com terreno firme, banhado por um rio de águas limpas e com peixe em abundância. O índio Parú, rezador e raizeiro dos iualapiti, acompanhou Orlando na busca e lembra que os expedicionários sofriam muito com falta de abastecimento, comendo apenas mel e peixe.

Antiga casa de Orlando (esq.) ao lado da casa onde morou Marina Villas Bôas. Os prédios continuam sendo utilizados como alojamento. Foto: Fernando Zarur

O trabalho de apenas cinco índios Iualapiti, conta Parú, conseguiu abrir e inaugurar em pouco tempo o campo de pouso. Utilizando aeronaves, especialmente do CAN (Correio Aéreo Nacional, serviço da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), foi possível trazer material e pessoal, especialmente médicos e enfermeiros, para atender aos indígenas. A base rapidamente tornou-se um dos principais pontos de apoio à Expedição.

Foi no posto Leonardo que Orlando Villas Bôas conheceu sua mulher, Marina, trabalhou e morou até 1973. Após anos dentro do parque, o sertanista foi substituído por Olímpio Serra, administrador do Xingu por três anos. Olímpio foi responsável pela contratação dos primeiros índios como funcionários da recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai).

O posto continuou administrado por não-índios até 1981, quando assumiu a chefia do parque o indigenista Cláudio Romero. Ele foi um dos principais articulistas para, finalmente em 1982, transferir a administração do Xingu a um índio, o cacique Megaron, da tribo Kaiapó.

Uma das primeiras medidas de Megaron foi transferir para índios o controle dos postos indígenas e de vigilância do parque. Assim, a administração do Leonardo ficou a cargo do índio Piracumã, da tribo Iaualapiti, irmão do cacique Aritana e atual diretor do Parque Indígena do Xingu.

Atualmente chefiado por Kokoti Aweti, o posto continua sendo um dos pontos mais movimentados do Xingu. Além de receber visitantes e pesquisadores durante o ano inteiro, a unidade presta atendimento médico, odontológico e abastece toda a região do Alto Xingu.