Lula diz que resgate da dívida com indígenas vai além de homologar terras

Brasília – Depois de efetivar a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, na última sexta-feira (15), o desafio do governo federal é oferecer benefícios que garantam sustentabilidade aos índios que vivem na região. Na avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o resgate da dívida com os indígenas vai muito além da homologação definitiva das terras. "Não basta demarcar a área, não basta homologar. Uma vez homologada, uma vez demarcada, é preciso que a gente dê acesso a benefícios que todo ser humano tem que ter, acesso ao trabalho, ao conhecimento, à saúde, à alimentação, à educação. São coisas que nós temos que fazer", enfatizou em seu programa quinzenal de rádio, Café com o Presidente.

Lula também afirmou que o governo federal vem conseguindo garantir esses benefícios à população brasileira, mas admitiu que o ritmo de implementação das medidas às vezes é mais lento do que a sua própria vontade. "Estamos fazendo. Possivelmente, não no ritmo que nós mesmos desejamos fazer, mas no ritmo em que a gente pode fazer", disse. Segundo o presidente, o Brasil tem dívidas "seculares" com os pobres, índios, nordestinos e sem-terra. E por serem dívidas históricas, ele afirmou que não é possível "pagá-las de uma única vez".

Na opinião do presidente, a homologação da reserva Raposa Serra do Sol é um marco para a história brasileira, uma vez que a polêmica relativa à posse dos índios sobre as terras da reserva se arrastou por mais de 20 anos. Ele revelou que, se dependesse da sua vontade, teria homologado a reserva já em 2004. "Desde o ano passado, queríamos ter homologado e não pudemos porque tinha um processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Finalmente foi acertado um pacote que resolve o problema dos posseiros que estão lá, que resolve o problema dos arrozeiros que estão lá, que resolve o problema da terra do estado de Roraima, porque o estado não tem terra, a terra é praticamente do governo federal".

A homologação teve maior importância, segundo Lula, por ter sido efetivada de forma contínua – o que evitou o fatiamento das terras da reserva indígena. "Era uma reivindicação histórica, e que a gente vai mandar todas as equipes da Funai (Fundação Nacional do Índio), da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e de outras instituições do governo para ir trabalhando e fazer com que os índios de Roraima possam finalmente viver tranqüilamente, ter a sua terra garantida, mas também ter acesso aos benefícios que o Estado tem obrigação de garantir a todo brasileiro que mora no território nacional".

O presidente adiantou que o governo federal vai continuar com o processo de demarcação de outras terras indígenas no país. "Vamos continuar demarcando outras terras, porque temos que pagar a dívida que temos com os índios. Afinal de contas, temos que reconhecer que eles têm direito, mais do que alguns pensam que eles têm".

Registros mostram que índios da Raposa vivem na região há quatro séculos

A homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol legitimou nesta semana a posse da terra para índios que viviam na região há cerca de quatro séculos. É o que mostram os registros arqueológicos. As características da língua revelam, por sua vez, origens ainda mais antigas. Os índios de Roraima seriam descendentes de tribos caribenhas, há quatro mil anos no continente americano.

"A ocupação da região atual pelos índios é imemorial. Alguns registros permanecem de forma figurada na tradição oral, nos mitos e lendas da tribo", afirma o professor de Antropologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) Paulo Santilli. "Durante séculos, a Raposa foi alvo de invasões. Diante disso, os conflitos eram inevitáveis. A homologação é, de forma geral, uma medida pacificadora. Vai de encontro a reivindicações indígenas antigas."

A demarcação da Raposa Serra do Sol foi preparada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com base nos estudos do professor da Unesp. Há 15 anos, ele pesquisa os índios da região. Seus estudos revelaram as múltiplas invasões a que as comunidades indígenas da Raposa foram submetidas. Ainda na época da colonização, holandeses, ingleses, espanhóis e portugueses estiveram no local, atraente pela abundância de rios.

O Forte São Joaquim, construído em 1775, foi o marco da colonização portuguesa. Em torno dele, foram criados aldeamentos onde os índios eram confinados, atraídos por presentes ou mesmo à força. O forte tinha posição estratégica. Entre dois rios, permitia o controle da entrada para a Venezuela e a então Guiana Inglesa. Os aldeamentos construídos nas proximidades logo foram abandonados pelos portugueses por causa da resistência dos índios.

No passado mais recente, durante todo o século passado, as tentativas de desenvolver o Norte do país levaram mais invasores para as terras indígenas da Raposa. Depois de participar da construção de estradas e pontes, trabalhadores – a maioria vinda do Nordeste – permaneciam na região com incentivos do governo. "Quando comecei a trabalhar na região, na década de 80, a decadência da borracha liberou um exército para ficar na Raposa. Logo depois, vieram os garimpeiros. O garimpo provocou epidemias de malária e poluição dos rios", lembra o professor Santilli.

De acordo com ele, os mais recentes invasores da terra indígena, os arrozeiros, também chegaram à Raposa com apoio público. No caso deles, do governo estadual. Esses agricultores se fixaram depois que a demarcação já estava feita. Muitos receberam financiamento estatal para permanecer na região. "As benfeitorias feitas são resultado de recursos públicos", denuncia Santilli. "Agora, o governo vai ressarci-los por essas benfeitorias para que saiam da Raposa? É no mínimo um ponto controverso."

Homologação contínua da Raposa garante tradições culturais, diz pesquisador

A homologação do projeto que demarca a terra indígena Raposa Serra do Sol em área praticamente contínua vai preservar as tradições culturais das comunidades da região. Entre elas, a autonomia pessoal dos jovens, que saem da própria aldeia para casar-se em outra como forma de emancipação. Dessa forma, eles perpetuam uma organização social marcada por extensas relações de parentesco entre as cerca de 150 aldeias existentes.

"A circulação em toda a área é grande. Por isso, é fundamental que exista um território contínuo, e não fracionado", explica o professor de Antropologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), Paulo Santilli. Foi com base nos estudos de Santilli que a Fundação Nacional do Índio preparou a demarcação da Raposa. A longa convivência com os povos da região permitiu que Santilli desvendasse costumes e formas de viver das comunidades.

De acordo com o pesquisador, os índios de Roraima buscam uma relação equalitária nas aldeias. Homens e mulheres dividem as tarefas de forma harmônica, com margem para intercâmbio de funções. Eles desempenham o que os especialistas chamam de ações e atividades sem exclusividades, mas com aspectos majoritários. A limpeza do terreno e o cultivo costumam ser feitos pelos homens. A manutenção do plantio cabe às mulheres.

Apesar do sucesso na pecuária – calcula-se que a Raposa tenha um rebanho de 30 mil cabeças de gado – a agricultura é a atividade mais tradicional das comunidades indígenas da região. "Historicamente, eles plantam milho, mandioca e cará, caçam e colhem frutas variadas. Nos últimos anos, começaram a plantar arroz e feijão. Substituíram parte da caça pela pecuária", informa o professor da Unesp.

Governador de Roraima quer discutir homologação da Raposa Serra do Sol com ministro da Justiça

O governador de Roraima Ottomar Pinto deve se reunir na próxima terça-feira (19) com o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, em Brasília. Acompanhado de parlamentares do estado, o governador pretende discutir a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira.

"Com o ministro vou tratar da Raposa do Sol e da questão das terras do estado que o Incra ficou com elas e o estado está sem nada. Isso não existe, é quase que um estado virtual. Até parece que não temos competência para distribuir nossas terras de acordo com as necessidades da nossa gente, só quem tem é o Incra".

O governador quer também se encontrar com o presidente Lula. Segundo ele, após reunião com o presidente ficou acertada a realização de um segundo encontro que aconteceria antes da homologação. Na ocasião, seriam ouvidos o governador de Roraima e a bancada federal na tentativa de estabelecer um consenso com o Incra e o Ministério da Justiça. "Não sei porque o presidente mudou de opinião".

Para Ottomar, a homologação em área contínua é uma provocação aos interesses do estado. Ele afirma ainda que existe insatisfação por parte dos arrozeiros e dos índios. "Existe muita indignação entre os arrozeiros e os próprios índios que não querem a demarcação. A maioria dos índios não quer que a área seja demarcada de forma contínua, os índios também têm uma parceria com os arrozeiros, e a área onde estão os arrozais não tem reivindicação antropológica".

Pela portaria do Ministério da Justiça, os não-índios ocupantes da reserva – entre os quais os arrozeiros que exploram terras na margem Sudoeste da área – devem deixar o local no prazo de um ano após a data de homologação.

O decreto presidencial garante área de 1.743.089 hectares para os índios e determina que ficam excluídas da Raposa Serra do Sol a área onde está localizado o 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais.

Vivem na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, quase 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana, Ingarikó e Patamona.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

Portaria estabelece nova demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol

O Diário Oficial da União publicou, nesta sexta-feira (15), portaria do Ministério da Justiça que prevê nova demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, excluindo algumas áreas, como o núcleo urbano da sede do município de Uiramutã. Assinada pelo ministro Márcio Thomaz Bastos, a portaria garante área de cerca de 1,74 milhão de hectares para os índios e determina que também ficam excluídas da Raposa Serra do Sol a área onde está localizado o 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais atualmente existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais.

A Reserva Indígena Raposa Serra do Sol abriga cerca de 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana e Ingarikó. Pela portaria, os não-índios ocupantes da reserva – entre os quais os arrozeiros que exploram terras na margem Sudoeste da área – devem deixar o local no prazo de um ano após a data de homologação da demarcação administrativa da reserva por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A entrada, o trânsito e a permanência de não-índios na reserva Raposa Serra do Sol ficam proibidos, com exceção de autoridades federais ou particulares especialmente autorizadas, "desde que sua atividade não seja nociva, inconveniente ou danosa à vida, aos bens e ao processo de assistência aos índios".

Nesta quinta-feira (14), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu extinguir todas as ações judiciais que contestavam a portaria anterior (820/98) do Ministério da Justiça, que assegura a demarcação em área contínua da Raposa Serra do Sol em Roraima. O plenário do STF julgou as ações prejudicadas pela "perda do objeto", após tomar conhecimento da existência de nova portaria do ministério que altera o disposto no ato normativo anterior. De acordo com o relator, ministro Carlos Britto, a nova portaria busca harmonizar os grandes interesses nacionais envolvidos, entre eles a soberania nacional e a preservação do meio ambiente.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

Nova portaria demarca reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas

A portaria que determinará a forma de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, prevê a criação da reserva em área contínua com algumas ressalvas, segundo informações do Ministério da Justiça. A portaria deve ser publicada nesta sexta-feira no Diário Oficial da União.

De acordo com o ministério, a nova portaria preserva a essência da reserva, os direitos dos índios, a defesa do interesse nacional e a segurança nas fronteiras, além do princípio federativo. A assessoria informou ainda que posteriormente haverá um decreto presidencial homologando a área.

A nova portaria preserva as áreas militares, para garantir a manutenção da presença do Estado, assegurando a atuação das Forças Armadas, além da Polícia Federal. Prevê ainda que os habitantes dos outros três pequenos vilarejos existentes dentro da área indígena – Socó, Mutum e Surumu – serão transferidos, por meio de trabalho conjunto entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Os arrozeiros que exploram a terras na margem Sudoeste da área indígena também serão transferidos no prazo de um ano. E serão indenizadas todas as benfeitorias de boa-fé. O ministério considera que a medida soluciona questões consideradas controvertidas, de modo pacífico e contemplando todos os interesses públicos relevantes.

A portaria determina que ficam excluídas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol as seguintes áreas e bens: a área do 6º Pelotão Especial de Fronteira (6º PEF), no município de Uiramutã (RR); os equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes; o núcleo urbano atualmente existente da sede de Uiramutã; as linhas de transmissão de energia elétrica; e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais atualmente existentes.

A Reserva Indígena Raposa Serra do Sol tem cerca de 1,8 milhão de hectares e abriga cerca de 15 mil índios das etnias Macuxi, Taurepang, Wapixana e Ingarikó.

Opinião Rota Brasil Oeste

A homologação da reserva Raposa Serra do Sol coroa um processo de luta de mais de 30 anos que envolve as etinas que vivem na região, sociedade civil, organizações religiosas e muita disputa política. Ao longo dos anos, a grilagem de terras, a exploração da mão de obra e, principalmente, o preconceito ameaçam uma população de 15 mil índios – metade da população indígena de Roraima.

Mesmo com as chamadas ressalvas, esta pode ser considerada uma vitória dos direitos indígenas. Agora, por exemplo, terão que sair da região as fazendas de arroz. Os donos destas terras são acusados de grilagem, de degradar o meio ambiente e de aliciar índios para defenderem sua permanência na regiaõ.

No entanto, permanecem os desafios de assegurar na prática a terra aos índios, de diminuir a violência e estimular a integração e resgate cultural dessas comunidades. Para tanto, seguem como obstáculos as forças políticas do estado que fundaram enclaves como o município de Uiramutã, mantidos pela homologação feita pelo governo. A vila, construída ilegalmente depois que a reserva já estava demarcada, foi apenas uma das manobras de políticos locais para tentar evitar a homologação da reserva.

STF concede liminar a Mozarildo Cavalcanti e adia homologação

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie suspendeu, na última segunda-feira, dia 3/1, a portaria 820/98 do Ministério da Justiça que oficializou a demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A decisão liminar atendeu a uma Ação Cautelar ajuizada pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR) e volta a impedir a homologação em área contínua da TI, pelo menos até que os outros ministros do tribunal opinem sobre a questão, o que pode ocorrer em fevereiro. Há ainda a possibilidade do relator do caso, ministro Carlos Aires Britto, cassar a deliberação de sua colega.

Em sua decisão, Gracie argumenta que a TI não poderia ser homologada antes do julgamento de mérito da ação impetrada por alguns fazendeiros contra a portaria 820 ou antes de uma outra decisão do STF, esta sobre a Reclamação 2833 da Procuradoria-Geral da República (PGR) que, por sua vez, questiona um suposto conflito federativo entre a União e o estado de Roraima na mais recente batalha judicial envolvendo o caso.

No último dia 15 de dezembro, Britto havia suspendido as liminares que impossibilitavam a homologação em área contínua. Com isso, a medida voltara a depender apenas da assinatura de um decreto pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Informações divulgadas pela imprensa nos últimos dias davam conta de que o governo estaria fazendo os ajustes finais no texto do ato e pretendia publicá-lo até o final deste mês.

“É a demora do governo que está permitindo todas essas reações, tanto as ações judiciais quanto os atos de violência”, aponta Joênia Wapixana, advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ela refere-se, em especial, às agressões promovidas por produtores rurais, no final de novembro passado (confira). Joênia alerta que a última decisão do STF pode estimular novos atos de violência. “O governo e o Ministério Público Federal têm de tomar providências urgentes, precisamos garantir a segurança da comunidade”.

Procurada pela reportagem do ISA, a Advocacia-Geral da União(AGU) informou que ainda está estudando a possibilidade de recorrer da decisão de Ellen Gracie.

Há mais de 20 anos, as comunidades indígenas Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana lutam pelo reconhecimento definitivo da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, mas somente em 1998 o Ministério da Justiça publicou a portaria que oficializou a demarcação em área contínua, totalizando um território de 1,67 milhão de hectares. Em 1999, com o apoio de políticos, de empresários e do governo estadual, fazendeiros da região impetraram uma ação popular contra a portaria (foi esta última ação que havia sido suspensa por Britto, no dia 15/12).

Argumentos antigos

Em seu pedido de liminar, Cavalcanti repete os argumentos já utilizados na ação popular que originou o processo da Raposa-Serra do Sol. Entre eles, o de que a homologação em área contínua “importará na retirada de milhares de pessoas” e no acirramento dos conflitos na região.

“Quando o território foi demarcado não houve aumento dos conflitos, esse discurso é usado para tentar assustar e constranger a sociedade”, rebate Joênia. Para ela, é a desinformação e a indefinição da situação que vem provocando insegurança na área. “Em outros lugares já foram feitas homologações em condições semelhantes e cada parte encontrou alternativas adequadas”.

A advogada também contesta a idéia de que a homologação em área contínua trará transtorno e mudanças abruptas para as populações não-indígenas. “O processo deve ser gradual, feito dentro da lei e seguindo um plano de retirada que disponibilize novas terras para essas pessoas. O governo diz que tem esse plano e temos informações de que o Incra estaria estudando o caso”.

Ao dizer que a demarcação proposta pelo MJ "abrange três municípios" e que a homologação "importará na retirada de milhares de pessoas" o pedido de liminar superestima a ocupação de não-indígenas na região. Na verdade, apenas a sede do município de Uiramutã está dentro do território demarcado – sua população estimada é de 6,3 mil pessoas, sendo que, de acordo com dados do CIR, cerca de 700 são não-indígenas. A cidade foi criada em 1996, após a identificação da TI.

Cavalcanti também volta a apontar um suposto prejuízo econômico ao estado em virtude da desativação das plantações de arroz existentes na área. A quase totalidade do rebanho bovino e da produção agrícola da região, no entanto, está hoje nas mãos dos próprios índios. Além disso, sabe-se que a frente agrícola mais dinâmica em Roraima está no sul do estado e não na parte abrangida pela Raposa-Serra do Sol.

Um senador contra a causa indígena

Mozarildo Cavalcanti só pôde sair vitorioso na última decisão do STF sobre a Raposa-Serra do Sol porque requereu e conseguiu ser admitido como “terceiro interessado” na Reclamação 2833 da PGR, depois de já ter conquistado a mesma competência na ação popular que originou todo o processo.

O senador tem se mostrado um fiel aliado dos grupos que se opõem à demarcação das TIs em Roraima. Com a apresentação de projetos e a coordenação de investigações parlamentares, ele se destacou, nos últimos anos, como uma das principais vozes dos setores antiindígenas brasileiros no Congresso Nacional, embora se auto-intitule defensor dos interesses dos índios.

Cavalcanti foi eleito para o Senado em 1998, depois de exercer o mandato de deputado federal por duas vezes (1983-1987 e 1987-1991). Atualmente, é líder do Partido Popular Socialista (PPS) e presidente da Comissão Temporária Externa que analisa a questão indígena e fundiária nos estados de Roraima, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Rio Grande do Sul. No ano passado, a comissão apresentou o Projeto de Lei (PLS) 188, que, ao alterar o procedimento para a demarcação, cria uma série de dificuldades para a criação de novas TIs, entre elas, institui o controle do Senado sobre o processo.

Em 2001, o senador já havia sido responsável pelo requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre as demarcações de áreas indígenas na Amazônia. Na prática, a investigação acabou tentando atingir os processos relativos às TIs Raposa-Serra do Sol e Yanomami(RR/AM).

O parlamentar também é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/99, que limita a 50% do território de cada estado a área total passível de ser reconhecida como Unidade de Conservação (UC) ou TI.

Cavalcanti exerceu ainda a presidência da CPI destinada a investigar a atuação das organizações não-governamentais, mas que, na verdade, ficou marcada pela tentativa de criminalizá-las. No ano passado, ele conseguiu aprovar no Senado o Projeto de Lei 07/03, que impõe restrições ao direito de livre associação e cria uma série de controles burocráticos para restringir a ação das ONGs.

Reserva Raposa Serra do Sol pode ser homologada em terras contínuas

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, suspendeu ontem as liminares que impediam a homologação da demarcação contínua das terras indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, conforme decreto presidencial. O pedido de suspensão das liminares foi da Advocacia-Geral da União (AGU).

Um dos argumentos da AGU, segundo nota publicada hoje, foi de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) já impôs medidas cautelares ao governo brasileiro para dar seqüência à demarcação da área.

Com a decisão do STF, o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Jacir José de Souza, vai agora aguardar a posição do presidente da República quanto à homologação da área. "A homologação precisa ser feita em regime de urgência. Ela vai melhorar o trabalho das comunidades daquela região e permitir o aumento da produtividade dos povos indígenas", defendeu Jacir.

A demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol havia sido suspensa pelo juiz federal Helder Girão, da 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima. Ele deu ganho de causa a uma ação popular que contestava a Portaria nº 820/98 do Ministério da Justiça. Esta declara os limites da terra indígena e determina a sua demarcação. Na Ação Popular, alega-se lesão ao patrimônio do Estado de Roraima, caso a demarcação da terra indígena seja feita conforme a Portaria do Ministério.

A homologação contínua da área também foi suspensa, em segunda instância, pela desembargadora Selene de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região (DF), que, além de confirmar a liminar de primeiro grau de Helder Girão, ampliou seus efeitos, excluindo outras áreas previstas na Portaria do Ministério da Justiça, como vilas, cidades e zonas de expansão existentes na região. Ambas as liminares determinavam a demarcação descontínua da terra indígena Raposa Serra do Sol.

O Ministério Público Federal já havia entrado este ano com uma Reclamação no STF, na qual pedia a suspensão dos recursos que tramitavam na segunda instância contra a demarcação contínua da área, informou a AGU. Porém, quando o ministro Carlos Britto acatou o pedido do MPF, a liminar já havia sido concedida pela desembargadora Selene de Almeida e, portanto, continuava em vigor.

Na Reclamação, o procurador-geral da República argumentou que na Ação Popular contra a demarcação da terra indígena Raposa/ Serra do Sol, há conflito de interesses entre a União e o Estado de Roraima e, por isso, deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Uma Reclamação é uma medida judicial que trata da preservação da competência do STF.

A reserva indígena Raposa Serra do Sol tem 1,7 milhão de hectares e abriga uma população de cerca de 15 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona.

Aldeias da Reposa Serra do Sol foram atacadas

A disputa judicial pela posse das terras indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, acirrou os ânimos na região. No último dia 23, três aldeias foram atacadas por plantadores de arroz. Ao todo, 37 casas das aldeias Jawari, Homologaão e Brilho do Sol foram destruídas e um índio da etinia Macuxi foi baleado, informou o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Jacir José de Souza.

Segundo ele, a manifestação recente indica que, para coibir a violência na região, "o governo precisa urgentemente fazer a homologação da Raposa Serra do Sol". Durante a invasão, as famílias não puderam retirar das casas objetos pessoais, alimentos e roupas. Segundo Jacir, os invasores queimaram roupas, alimentos e alegaram que aquelas terras eram deles.

Jacir disse que até hoje as pessoas que foram desalojadas de suas terras estão desabrigadas. "Ainda bem que podemos contar com a ajuda de nosso povo, mas volto a repetir: para proteger nossos povos, a demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol precisa ser feita urgentemente", reiterou Jacir.

Paz entre os índios de Raposa Serra do Sol

Índios Makuxi ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) e à Sodiur estão em paz. Ontem, 9, os índios ligados às duas entidades desfizeram as duas barreiras que mantinham, em lugares distintos, dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Embora as barreiras fossem ilegais, porque os índios não podem exercer funções de policiais, o objetivo era impedir a entrada de bebidas alcoólicas, drogas, armas e materiais de garimpo na terra indígena.

Agora existe apenas uma barreira, montada pela Polícia Federal, em conjunto com a Funai. A instalação da nova barreira contou com a presença de autoridades estaduais do Estado de Roraima, lideranças indígenas de Raposa Serra do Sol e das duas associações. Embora os índios ainda mantenham as suas posições quanto à homologação da demarcação, em território contínuo, há agora, entre eles uma atitude de respeito e de harmonia. A pacificação entre as duas facções é uma vitória da Funai, que sempre trabalhou no sentido de promover a paz entre os índios de Raposa Serra do Sol. Conforme o presidente-substituto da Funai, Roberto Lustosa, a paz é um grande passo na direção da homologação daquela terra indígena.