Ato de solidariedade a bispo que faz greve de fome reúne entidades e movimentos sociais em Brasília

Brasília – Trinta e cinco integrantes de entidades religiosas e movimentos sociais fizeram hoje (4), na Praça dos Três Poderes, um ato de solidariedade ao bispo Luiz Flávio Cappio, que está em greve de fome contra o projeto de integração da Bacia do Rio São Francisco. O ato ocorreu no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, na rampa do Palácio do Planalto.

Durante a cerimônia de recepção, o grupo gritava a frase "Dom Cappio e São Francisco". Segundo a representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Irmã Delci Franzen, os manifestantes querem que uma comitiva da presidência da República vá negociar com o bispo, que está em Cabrobó (PE). O presidente Lula enviou no último sábado uma carta ao frei por intermédio do assessor da presidência, Selvino Reck.

"Esperamos que o presidente vá com uma proposta clara para conversar com dom Luiz, o que não aconteceu ainda. No nosso entender, o primeiro emissário do presidente não levou uma proposta. Ele só falou que o presidente está disposto a conversar, e dom Luiz está disposto a isso desde o início", disse a Irmã. Ela acrescentou que o grupo não pediu uma audiência com Lula.

De acordo com a representante, a Igreja não pretende transformar a atitude do bispo em um "ato religioso", mas "político". Ainda segundo ela, dom Luiz Cappio afirmou que não pretende "colocar a corda no pescoço do presidente Lula", mas que Lula colocou a "corda no nosso pescoço quando decidiu iniciar as obras do projeto", sem antes discuti-lo com a sociedade.

Cappio não se alimenta há nove dias e só bebe água do Rio São Francisco. Apesar de ter necessitado de ajuda hoje para subir em um pequeno palco e rezar uma missa, o frei está bem e continua atendendo a população diariamente, conforme relato da representante da CNBB. O religioso afirmou que vai permanecer em jejum até a revogação e arquivamento do atual projeto. Ele é a favor da revitalização do Rio São Francisco.

O presidente Lula afirmou ontem que vai insistir no diálogo para acabar com a greve de fome do religioso. O Palácio do Planalto ainda não se manifestou sobre o envio de uma equipe para conversar com o bispo.

Greve de fome pelo Rio São Francisco

Desde 26/09 o bisbo de Barra, BA, Frei Luiz Flávio Cappio, iniciou uma greve de fome a favor da revitalização do rio São Francisco para tentar impedir a implantação do projeto de transposição do Rio Francisco.

O Rota Brasil Oeste solidariza-se com a campanha do religioso e une-se aos esforços para barrar a transposição do rio, obra faraônica que promete favorecer apenas a seus construtores e grandes proprietários rurais. Nossa opinião é de que o modelo para aliviar o problema da seca no semi-árido deve ser em ações decentralizadas que leva a água diretamente aos pequenos proprietários e suas famílias. Um destes exemplos é o Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semi-Árido (P1Mc) que promove o uso de cisternas para captação e armazenamento de água da chuva.

O bispo enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma declaração, registrada em cartório expondo as suas razões. Eis a declaração do bispo e a carta enviada a Lula.

Declaração

"Em nome de Jesus Ressuscitado que vence a morte pela Vida plena, faço saber a todos:

1.De livre e espontânea vontade assumo o propósito de entregar minha vida pela vida do Rio São Francisco e de seu povo contra o Projeto de Transposição, a favor do Projeto de Revitalização.

2.Permanecerei em greve de fome, até a morte, caso não haja uma reversão da decisão do Projeto de Transposição.

3.A greve de fome só será suspensa mediante documento assinado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, revogando e arquivando o Projeto de Transposição.

4.Caso o documento de revogação, devidamente assinado pelo Exmo. Sr. Presidente, chegue quando já não for mais senhor dos meus atos e decisões, peço, por caridade, que me prestem socorro, pois não desejo morrer.

5.Caso venha a falecer, gostaria que meus restos mortais descansassem junto ao Bom Jesus dos Navegantes, meu eterno irmão e amigo, a quem, com muito amor, doei toda minha vida, em Barra, minha querida diocese.

6.Peço, encarecidamente, que haja um profundo respeito por essa decisão e que ela seja observada até o fim."

Carta ao presidente Lula

"Barra, 26 de setembro de 2005

Senhor Presidente

Paz e Bem!

Quem lhe escreve é Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM, bispo diocesano de Barra, na Bahia.

Tive a oportunidade de conhecê-lo por ocasião da passagem do senhor por Bom Jesus da Lapa, na Caravana da Cidadania pelo São Francisco, em 1994. Isto aconteceu pouco tempo depois que fizemos uma Peregrinação pelo Rio São Francisco, da nascente à foz, com objetivo de conscientizar o povo ribeirinho sobre a importância do rio para a vida de todos e a necessidade de preservá-lo.

Fui-lhe apresentado por meu professor de teologia, Frei Leonardo Boff.

Sempre fui seu admirador. Participei ativamente em todas as campanhas eleitorais do PT, alimentando o sonho de ver o povo no poder.

Desde que o Governo Fernando Henrique apresentou a proposta de transposição do Rio São Francisco, fomos críticos acirrados deste projeto. Desde então acentuamos a necessidade urgente de revitalização do rio e de ações que garantam o verdadeiro desenvolvimento para as populações pobres do nordeste: uma política de convivência com o semi-árido, para todos, próximos e distantes do rio.

Esperávamos do senhor um apoio maior em favor da vida do rio e do seu povo.

Esperávamos que, diante de tantos e consistentes questionamentos de ordem política, ambiental, econômica e jurídica, o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência.

Quando cessa o entendimento e a razão, a loucura fala mais alto. Em meu gesto não existe nenhuma atitude anti-Lula neste momento delicado da vida nacional.

Pelo contrário. Quem sabe seja uma maneira extrema de ajudá-lo a entender pelo coração aquilo que a razão não alcança.

Tenha certeza, é um profundo testemunho de amor à vida.

Minha vida está em suas mãos.

Receba minha saudação fraterna e amiga,

Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM."

Governo já tomou todas as providências técnicas para início da integração do São Francisco, diz Ciro

O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, afirmou hoje (29) que o governo já tomou todas as providências técnicas para o início das obras de integração do Rio São Francisco às bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional – composto pelos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

"As providências orçamentárias, as providências das parcerias estratégicas, como o convênio com a engenharia do exército, está tudo pronto", disse o ministro, após participar do no 15º Fórum do Planalto, evento promovido pela Casa Civil, para servidores públicos da Presidência da República.

O início da obras depende de licença do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Na terça-feira (27), o diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz Júnior, afirmou que a liberação deve sair na próxima semana.

"Assim que a equipe técnica concluir que estão dadas as condições para a emissão dessa licença, nós passaremos aí para o início das obras e o acompanhamento das obras por parte do Ibama", explicou o diretor, durante audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.

Durante o evento no Palácio do Planalto, o ministro Ciro Gomes lembrou que a revitalização do Rio São Francisco está em andamento. "O projeto de revitalização já está em execução, nós temos iniciativas em mais de 40 comunidades", contou. O ministro citou o exemplo da reposição das matas ciliares ao longo do rio, que, com o passar dos anos, havia perdido 95% dessa vegetação.

Segundo o ministro, neste ano serão investidos R$ 100 milhões na revitalização do São Francisco, que levará 20 anos para ser executada. E, para o ano que vem, esse valor deve chegar a R$ 300 milhões. "No último ano do governo que nos antecedeu, o programa de revitalização era uma rubrica orçamentária de um ano apenas, com R$ 2 milhões previstos", observou.

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador de renda e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

TCU aponta irregulares no projeto da Transposição do Rio São Francisco

O presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Adylson Motta, entregou ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a relação de obras públicas fiscalizadas pelo TCU, em 2005, para auxiliar o Congresso Nacional na aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2006.

No período entre março e julho deste ano, foram auditadas 415 obras. Desse total, foram identificados indícios de irregularidades graves em 72 empreendimentos, para os quais o tribunal recomenda a paralisação da execução orçamentária, física ou financeira. O volume de recursos fiscalizados soma aproximadamente R$ 20 bilhões. O trabalho tem por objetivo assegurar que as irregularidades detectadas sejam corrigidas, de forma a garantir a conclusão das obras no prazo previsto e a preços de mercado.

O ministro Valmir Campelo, relator do processo, destacou que o elevado custo das obras públicas continua sendo o principal problema a ser enfrentado pelos órgãos de controle. "As ocorrências de sobrepreço e de superfaturamentos respondem por 21% do total de 228 irrregularidades graves com paralisação identificadas nos diversos contratos integrantes dos programas de trabalho fiscalizados", observou. Acrescentou que essa realidade "demonstra a necessidade de se dotar a administração pública de instrumental eficiente para a análise dos custos das obras, de modo a compatibilizá-los com os preços de mercado."

O montante dos benefícios ao erário alcançados pelos trabalhos em obras no exercício de 2005 atinge centenas de milhões de reais. Especial destaque deve ser dado às auditorias realizadas nos processos de contratação das obras da BR-101/Trecho Norte e da Transposição do Rio São Francisco (a parte mais polêmica do projeto), que resultaram em redução de R$ 500 milhões no valor previsto para as obras em face das correções implementadas pelos gestores.

Cabe acrescentar que benefícios complementares deverão surgir no curso do processo legal, visto que o Tribunal aguarda a justificativa dos responsáveis para formular, caso necessário, determinações corretivas.

Além disso, existe uma série de outros benefícios de difícil quantificação, mas que são de extrema importância para o adequado andamento dos empreendimentos auditados. Vale destacar as determinações corretivas tempestivamente feitas pelo TCU, que evitam posteriores pedidos de acréscimos contratuais pelas empresas, em face de alterações de projeto e de novos serviços, as quais, por vezes, chegam a inviabilizar a execução do empreendimento, ocasionando obras inacabadas.

Comissão vota dia 28 criação de Fundo de Revitalização

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada para dar parecer sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Revitalização do Rio São Francisco deve votar a matéria na próxima quarta-feira (28). O relator da PEC, deputado Fernando Ferro (PT-PE), se disse confiante no consenso para aprovação da proposta. "Mesmo quem é contrário ao projeto de integração de bacias, como os deputados da Bahia, Sergipe e Alagoas, que são estados doadores, concorda que o rio deve ser recuperado e que, para isso, os recursos têm que estar garantidos", explicou.

Fernando Ferro apresentou nesta semana o relatório pela aprovação da emenda à Comissão Especial. O deputado sugere a mudança da fonte dos recursos que formarão o fundo constitucional. Pela proposta que veio do Senado, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), o fundo seria constituído por 0,5% da arrecadação de impostos federais, administrados pela União. "A Fazenda argumentou que não poderia dispor desse montante", disse o relator.

O substitutivo de Fernando Ferro prevê que o fundo será formado por 0,2% da arrecadação federal e 10% dos royalties do setor elétrico pagos como compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos na geração de energia elétrica. Ou seja, do total pago pelas empresas do setor pelo direito ao uso da água, 10% serão destinados para o fundo. O deputado acredita que, com essa composição, o fundo poderia dispor de R$ 250 milhões anuais para custear as ações de revitalização do rio São Francisco.

Hoje, 90% dos royalties são distribuídos, igualmente, entre estados e municípios atingidos por barragens. Fernando Ferro não vê problemas na redução desse repasse para estados e municípios, já que o dinheiro dos royalties da energia elétrica produzida por barragens entra na conta única do município e não existe uma obrigação legal para que os recursos sejam investidos na recuperação de matas ciliares, tratamento de água e esgoto canalizados para seus rios, entre outras ações de redução dos impactos ambientais.

Recentemente, o deputado pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) informações sobre como tem sido usado o dinheiro dos royalties da energia elétrica gerada por barragens, nos municípios e estados. "Sei que só 25% dos municípios atingidos por barragens têm tratamento de esgoto e 15% deles tratam a água", contou Fernando Ferro.

Relator considera 20 anos tempo suficiente para concluir revitalização do São Francisco

O Fundo de Revitalização do Rio São Francisco terá vigência de 20 anos. Para o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o fundo, deputado Fernando Ferro (PT-PE), esse prazo é suficiente para concluir ações de recuperação da erosão, melhoria da qualidade da água, recuperação de matas ciliares e nascentes, tratamento de água e esgoto da população que vive ao longo do rio, monitoramento ambiental e planos de ação para uso do rio para fins de lazer e turismo. "A experiência britânica com o rio Tâmisa foi de 20 anos. Acredito que esse prazo atende às expectativas", avaliou Ferro.

O deputado acredita que, após aprovação na Comissão Especial da Câmara criada para examinar a PEC, a matéria terá tramitação rápida em plenário. "Porque é matéria de urgência", justificou. Fernando Ferro destacou que só com o fundo haverá regularidade no financiamento das ações de revitalização da bacia do São Francisco. "Será uma fonte contínua, não vulnerável a mudanças de governo e descontinuidade", definiu.

O Ministério do Meio Ambiente desenvolve desde 2004 o Programa de Revitalização da bacia do São Francisco. No primeiro ano, foram investidos R$ 17 milhões e, para este ano, estão previstos recursos da ordem de R$ 88 milhões. As nascentes do rio São Francisco e de seus principais formadores estão nos planaltos de Minas Gerais. O rio desemboca entre Sergipe e Alagoas e tem uma extensão de 2.800 quilômetros. A bacia hidrográfica do rio tem 640 mil quilômetros quadrados e abrange os estados de Goiás, Minas, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, além do Distrito Federal.

A bacia do Velho Chico atinge 504 municípios e cerca de 14 milhões de habitantes. A degradação do rio se deve, principalmente, à industrialização – mais intensa na região metropolitana de Belo Horizonte; ao desmatamento – para dar espaço ao plantio agrícola e à pecuária; e ao uso do rio para abastecimento de água potável e para o despejo de esgoto. Estima-se que mais de 95% do volume de esgoto sejam lançados sem tratamento nos rios que formam a bacia. Além disso, 20 usinas hidrelétricas estão instaladas ao longo da bacia.

Governo do Mato Grosso do Sul quer liberar usinas perto do Pantanal

A seca que nos últimos três meses assola o Pantanal não é a única ameaça à fauna e flora da maior planície alagável do planeta. Um projeto de lei apresentado pelo governo do Mato Grosso do Sul, e que começou a tramitar na Assembléia Legislativa do estado na quinta-feira 8 de setembro, pretende permitir que usinas sucroalcooleiras se instalem na bacia do Alto Rio Paraguai. É a terceira tentativa do governador Zeca do PT de emplacar uma mudança na Lei Estadual nº 328, criada em 1982, que veta este tipo de empreendimento em toda a bacia do Paraguai.

O projeto visa liberar a construção de usinas de álcool e açúcar em 18 dos 33 municípios da região peri-pantaneira. Se aprovado, a cana poderia ser plantada em uma região serrana que divide de norte a sul o estado do Mato Grosso do Sul, delimitando as bacias dos rios Paraguai e Paraná. A planície pantaneira seria, portanto, preservada. Clique no mapa ao lado para ver, em detalhe, onde fica o Pantanal e a região proposta para abrigar as usinas.

O que preocupa organizações ambientalistas e políticos do estado contrários à mudança na lei, contudo, é a possibilidade de contaminação dos rios que correm do planalto para o Pantanal. Os defensores da manutenção da atual legislação afirmam que as usinas podem descarregar nos cursos dágua o vinhoto, um líquido tóxico e residual do processo de destilação do álcool da cana-de-açúcar. Em contato com a água, a substância absorve oxigênio e pode comprometer a sobrevivência das espécies aquáticas.

Alessandro Menezes, da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), alerta também que as usinas podem despejar no solo e em rios outros poluentes, como a água cáustica utilizada na lavagem da cana e anticorrosivos e detergentes aplicados nos equipamentos das instalações. “Além disso a monocultura da cana pode alterar grandes áreas de Cerrado, comprometendo a biodiversidade e desfigurando o entorno do Pantanal, região considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, que tem no turismo uma de suas principais atividades econômicas”, adverte.

O ambientalista ressalva ainda que nenhum estudo sobre a viabilidade de usinas na bacia do rio Paraguai foi apresentado à sociedade civil do Mato Grosso do Sul. “Sem estas análises não podemos dizer quais são os riscos e custos do projeto para a região”. Ele lembra que o Aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo, localizado em grande parte na região, também poderia ter seus pontos de recarga contaminados.

O deputado estadual Pedro Kemp (PT), apesar de ser o líder do governo na Assembléia Legislativa do estado, diz estar convencido de que a instalação de usinas na região peri-pantaneira, mesmo com os cuidados e as atuais tecnologias disponíveis, pode resultar em acidentes que comprometem o equilíbrio ecológico de todo o Pantanal. “Queremos debater outra alternativas para a região norte do estado, como o cultivo de girassol e mamona para a produção de biodisel”, diz Kemp.

O deputado articula uma frente parlamentar para barrar a aprovação do projeto. Afirma que atualmente 14 dos 24 deputados estaduais do MS compõem o bloco contra as usinas, mas que o lobby do governo e dos prefeitos dos municípios contemplados no projeto de lei pode mudar o jogo. “Existem interesses políticos muito fortes por trás deste projeto, mas nossa intenção é pautar o debate do ponto de vista técnico”.

Alessandro Menezes, da Ecoa, diz que os municípios favoráveis à mudança na lei precisam avaliar corretamente os benefícios que estão sendo vinculados à chegada das usinas. “Os prefeitos acham que os caixas municipais vão engordar com a chegada das empresas, mas o que estão esquecendo é que, para atraí-las, o estado vai ter que oferecer altos incentivos fiscais”.

A Ecoa e outras entidades ambientalistas têm articulado uma campanha de mobilização no estado contra a aprovação do projeto e, desde o começo de setembro, recolheram cinco mil assinaturas contra a mudança na legislação. “Temos que esclarecer a população pois o governo garante que a cana vai ser a salvação do Mato Grosso do Sul”.

Exigências ambientais

O governo estadual afirma que o projeto pretende apenas gerar uma alternativa de desenvolvimento para os municípios da região do norte do estado. Sustenta também que os riscos ambientais serão evitados pela tecnologia disponível e pelo controle sobre o manejo da cana e seus resíduos.

O projeto exige uma série de quesitos do ponto de vista de viabilidade ambiental para a instalação das usinas. Entre outras coisas, que cada empreendimento seja objeto de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), apresente ao governo um plano de manejo do vinhoto, seja construído em local com altitude a partir ou acima de 230 metros do nível do mar, fique a pelo menos mil metros de qualquer corpo dágua e a 3 quilômetros de núcleos urbanos.

O secretário estadual de Produção e Turismo, Dagoberto Nogueira Filho, principal defensor do projeto, frisa que, com os cuidados previsto na lei e com a atual tecnologia empregada em usinas, a cana-de-açúcar é a melhor opção para uma região cujas principais atividades econômicas são a pecuária e a soja. “Com o preço destas mercadorias caindo, nosso estado está padecendo de uma saída lucrativa”, diz o secretário. “Com este tipo de investimento, vejo o Brasil no futuro como uma espécie de Arábia Saudita de uma das principais fontes de energia renovável do mundo”. O secretário garante que as plantações de cana impedem o assoreamento de rios. “A cana é ambientalmente correta, entre outros motivos porque suas raízes seguram a terra e evitam o assoreamento dos rios”.

O próximo embate entre os defensores da atual lei e os pró-usinas será em audiência pública sobre o projeto, marcada para o dia 21 de setembro em Campo Grande, quando uma dezena de prefeitos favoráveis à mudança da legislação deve comparecer. Até lá, as entidades ambientalistas do estado esperam que o abaixo-assinado contra as usinas próximas ao Pantanal tenha recebido o apoio de pelo menos dez mil pessoas.

Índios aproveitam Kuarup para pedir preservação das nascentes do Xingu

O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi também palco este ano de articulações políticas em prol da preservação ambiental. A cerimônia que se encerrou ontem (26/08) aconteceu este ano na aldeia kuikuro de Ipatse. Um dos líderes kalapalo, Kurikaré, aproveitou a presença no evento do coordenador de Políticas Indígenas de Mato Grosso, José Seixas da Silva, para pedir que o governo do estado desautorize a construção das barragens Paranatinga I e II, no rio Culuene, cerca de 100 km ao sul do parque.

Segundo o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os Kalapalo dizem ser possível demonstrar por vestígios arqueológicos que a área era ocupada por seus ancestrais e relacionam esse território às origens históricas do próprio Kuarup. Kurikaré considera a área "sagrada". O governo do estado alega que o projeto é particular e que não pode se envolver na questão. As obras estão atualmente paradas por ordem da Justiça Federal.

Fausto lembra que o problema de as nascentes não estarem dentro dos limites do parque remonta à sua demarcação, no início da década de 60. Ele conta que o projeto original, defendido pelos irmãos Villas Boas, por Darcy Ribeiro e pelo marechal Cândido Rondon junto a Getúlio Vargas, previa uma área quatro vezes maior para o parque. Por causa da redução, várias áreas que podem ser cientificamente comprovadas como indígenas e que ficam na região das nascentes, explica, ficaram de fora dos limite do parque. "Metade das terras kalapalo está fora, por exemplo", diz ele.

Segundo a antropóloga e sanitarista Cibele Verani, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e uma das convidadas para o Kuarup, a devastação na região já se constitui num "enorme problema de saúde" no parque." Vinte anos atrás, nós tínhamos água limpa para beber em qualquer uma dessas aldeias. Hoje, a maioria das pessoas já não pode beber água de alguns rios. E, de lá pra cá, nós temos visto a poluição descer, inclusive fazendo escassear a pesca", conta ela.

O Parque Indígena do Xingu conta atualmente com cerca de 2,6 milhões de hectares e tem hoje quase 5 mil habitantes. Junto com a área Kayapó, com que faz divisa ao norte, constitui-se, segundo a Fundação Nacional do Ìndio, na maior área contínua de preservação da sociobiodiversidade brasileira, num total de quase 15 milhões de hectares.

O problema é que, ao sul, ficam fora do parque as nascentes dos rios formadores do Xingu, o principal da região, e considerado o maior "rio indígena" do Brasil, pela grande quantidade dessas comunidades às suas margens. Em volta das nascentes de rios como Culuene, Tanguro, Arraias, Ronuro, Batovi e Curisevo, têm se alastrado nos últimos anos as lavouras extensivas de soja e algodão.

Em algumas fazendas, como é visível de avião, as plantações não respeitam as matas ciliares, e as marcas de erosão se multiplicam. O resultado já perceptível pelos índios é o assoreamento. "Hoje, dá pra atravessar a pé o rio. Antigamente, era fundo", conta Fadiuvi, líder dos índios kalapalo. Ele conta também que as comunidades se incomodam com a presença crescente do turismo de pesca nos rios da região. O lixo deixado nas praias pelos turistas desce para dentro do parque na época das chuvas, e aparece na barriga dos peixes e tartarugas que servem de alimentação para os xinguanos – tradicionalmente, todos os povos do Alto Xingu evitam a carne de caça.

O que os índios temem, mas ainda não dispõem de estudos para comprovar, é a possível contaminação das águas por agrotóxicos. Segundo Carlos Fausto, o perigo é real, principalmente por causa desse hábito xinguano de comer peixe. "Nós sabemos que os efeitos da acumulação de alguns componentes, como os metais pesados, na carne do peixe, só são sentidos a longo prazo", alerta ele.

Rede que criou programa das cisternas apresenta novas propostas para o semi-árido

Depois de garantir a mobilização que já construiu quase 100 mil cisternas em 11 estados, a Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA) está apresentando ao governo federal um programa para equipar os pequenos agricultores do Nordeste com fontes de água para produção. "Para não morrer imediatamente, beber água e cozinhar, o agricultor precisa de uma fonte de água potável. Mas, para sobreviver, a longo prazo, ele também precisa de uma fonte de água para garantir a produção. Por isso, criamos o programa", explica Lourival Almeida de Aguiar, um dos 11 coordenadores da ASA.

O programa, segundo Aguiar, é conhecido como "P 1 + 2", ou seja, "uma terra, duas águas – uma para beber, outra para produzir". A inspiração é chinesa. "No clima semi-árido do Norte da China, na Província de Gansu, as precipitações são irregulares e baixas (mais ou menos 300 mm/ano), a evaporação é alta (2000 mm/ano) e as águas subterrâneas são escassas. A agricultura nesta região depende principalmente da chuva como fonte de água. Nos últimos anos, o governo da província colocou em prática o projeto ‘Providenciando água para uso humano e para animais, desenvolvendo a economia agricultural e melhorando o meio ambiente através do uso de água de chuva’, denominado "Projeto 1-2-1"", explica texto disponível na pagina da internet da Ong ABCMAC (Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva).

"O governo auxiliou cada família a construir uma área de captação de água, dois tanques de armazenamento de água e uma terra para plantação de culturas comercializáveis. Até o final de 2002, 1.944.000 tanques de água foram construídas e com diferentes métodos de captação de água de chuva uma área de 305.000 hectares de sequeiro foi beneficiada, melhorando o uso eficiente da água de chuva e diminuindo a evaporação", completa o texto.

Aguiar conta que nos próximos dois anos o programa brasileiro estará em fase piloto em quatro estados, com apoio da agência alemã de cooperação Misereor, ligada à Igreja Católica. "Nessa primeira fase, queremos promover um intercâmbio de informações sobre soluções técnicas para captar e armazenar essa água". Entre essas soluções, Aguiar lembra as barragens subterrâneas (técnica que permite criar pequenos "lençóis freáticos" sob o leito de riachos temporários), os caxios (reservatórios de água de chuva cavados na rocha) e as mandalas (equipamentos para agricultura irrigada que diminuem o desperdício e a evaporação).

Outro projeto em estudo pela ASA, segundo Aguiar, é o de instalação de "bombas manuais" em cerca de 50 mil poços artesianos que, segundo ele, encontram-se atualmente sem aproveitamento pelo Nordeste. A "bomba popular", explica, é inspirada em um modelo holandês e possibilita até 1000 litros por hora de vazão. Até agora, o obstáculo era o custo do modelo importado, em torno de R$ 25 mil. Segundo ele, a ASA descobriu que uma empresa catarinense está habilitada a produzir o equipamento no Brasil por cerca de R$ 6 mil, o que deve viabilizar o projeto.

Semi-árido comemora nos próximos dias a construção de 100 mil cisternas

O Brasil deve comemorar até setembro a construção da centésima milésima cisterna do programa 1 Milhão de Cisternas, coordenado pela Articulação do Semi-Árido Brasileiro(ASA). A ASA é uma rede que diz contar atualmente com 750 organizações da sociedade civil. A iniciativa surgiu em 1999. Na construção das cisternas, que começou em julho de 2003, o Ministério do Desenvolvimento Social é o principal parceiro da rede (70 mil das 100 mil construídas até agora), mas, segundo a ASA, o programa já angariou apoios da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e de várias entidades internacionais, como a ONG católica internacional Oxfam.

A previsão de chegar às 100 mil cisternas até setembro é da ASA. Atualmente, já foram construídas mais de 99.400. A assessoria de imprensa da ASA diz que a rede ainda não sabe onde será inaugurada a cisterna de número 100.000, nem a data exata da comemoração.

As cisternas instaladas em municípios do semi-árido em 926 municípios de 11 estados (os nove do Nordeste, mais Minas Gerais e Espírito Santo) consistem na montagem de uma série de calhas para captação da água da chuva que cai sobre o telhado de uma residência, conduzindo-a a um reservatório de alvenaria com capacidade para 16 mil litros. "Se for bem cuidada a água, a família tem água para beber e cozinhar por seis meses, até chover de novo", explica Lourival Almeida de Aguiar, um dos coordenadores executivos da ASA.

Aguiar chama a atenção para as ações desenvolvidas pela ASA em torno da construção das cisternas: "A cisterna é quase um pretexto. Na verdade, é um projeto de mobilização social. O que a gente faz é empoderar a comunidade". Ele conta que, em cada município onde o programa é instalado, elege-se em assembléia aberta uma comissão municipal, que vai determinar que famílias receberão a cisterna.

Segundo Aguiar, a condição para a família receber o equipamento é participar de um curso de Gestão de Recursos Hídricos: "A família vai aprender a garantir que a água vá ser potável e dure todo o período de seca". Ele diz que também se oferece o curso de pedreiro na comunidade, transmitindo-se conhecimento necessário para a reprodução da cisterna.

O programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) também é conhecido como Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semi-Árido. A ASA espera que ele seja concluído até julho de 2008, com o custo total de US$ 424,3 milhões (cerca de R$ 1 bilhão). Segundo a rede, a construção de cada cisterna custa em média R$ 1,6 mil.