Organizações da sociedade civil entram com representação contra Belo Monte

O ISA, a Coiab (Coordenação Das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o Greenpeace e o Fórum Carajás entraram ontem (21/7) com representação junto à Procuradoria Geral da República contra Decreto Legislativo nº 788 de 2005, que autoriza a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na chamada Volta Grande do rio Xingu. A autorização foi dada em tempo recorde, pois foi aprovada em 6 de julho pela Câmara e uma semana depois pelo Senado, sem que no entanto tenham sido ouvidas as comunidades indígenas afetadas, como determina a Constituição Federal.

Belo Monte faz parte de um antigo projeto de construção de usinas hidrelétricas no rio Xingu, as quais alagariam áreas imensas e modificariam completamente o rio. Por essa razão há mais de 17 anos o projeto vem sendo contestado pelas populações que vivem na região, como indígenas e ribeirinhos, que serão diretamente afetados pela construção da usina, mesmo com a mudança efetuada no projeto de engenharia pela Eletronorte. Leia o especial do ISA sobre o tema: A Polêmica da usina de Belo Monte.

A representação ao Procurador-Geral da República se baseia no fato de que o Congresso Nacional autorizou os estudos sem ouvir as populações que serão afetadas, entre elas nove povos indígenas, conforme determina a Constituição.

“A aprovação pelo congresso nacional foi afobada, não só por não ter ouvido anteriormente o que pensam os povos indígenas afetados, mas também porque já dá carta branca para a futura construção, sem sequer avaliar quais serão os reais impactos socioambientais da obra. Como pode autorizar algo que não conhece? Deveria haver uma nova avaliação posteriormente à elaboração do EIA/Rima, pois do contrário o Poder Legislativo estará se furtando ao seu dever constitucional de proteger as terras indígenas contra obras que venham afetar a integridade de seus recursos naturais” afirma o advogado Raul Silva Telles do Valle, assessor jurídico do ISA.

Se a Procuradoria acatar a representação, vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF que vai decidir se é válido ou não.

Mudanças na integração do São Francisco garantem que não haverá prejudicados, diz Ciro

O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, apresentou hoje (18) na 57ª Reunião da Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência (SBPC) o projeto de integração do Rio São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional. Ciro disse estar seguro de que "o projeto chegou num ponto em que é possível dizer que 12 milhões de pessoas serão beneficiadas no Nordeste sem que nenhum brasileiro sequer seja prejudicado".

Ele disse que, para isso, o projeto original foi modificado. O objetivo foi o de reduzir a vazão do rio a ser utilizada no plano (360m³/s, anteriormente, para algo em torno de 26m³/s, na versão atual). Segundo ele, o primeiro patamar era "inviável", mas o atual representará a cessão de apenas 1,4% do total da água do rio.

Ciro Gomes negou que a integração das bacias vá agravar os problemas de degradação do rio, que, segundo ele, está "ferrado, mas não por causa do projeto, que ainda nem está pronto, mas sim por um modelo adotado pelos governos anteriores. E a chance que o rio tem de revitalização depende da centralidade da discussão".

Segundo o ministro, até meados de 2007, a primeira etapa do projeto, que garante o abastecimento nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, estará concluída. Ele garantiu que há recursos para isso, explicando que, dos R$ 4,5 bilhões previstos para o projeto, cerca de R$ 620 milhões já foram contratados ou estão em execução.

Durante sua exposição, Ciro Gomes disse que a reação contrária ao projeto por parte de alguns setores "deriva da desinformação, outra parte de problemas graves que o rio experimenta em função de um passado de descuido. Temos que ter clareza de que o rio está machucado e que precisa de um programa consistente de revitalização".

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador de renda e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

Projeto que autoriza implantação de usina de Belo Monte (PA) é aprovado pela Câmara

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 6 de julho, o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 1.785/05, que autoriza a implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, na chamada Volta Grande do rio Xingu, na altura dos municípios de Altamira e Anapu, no Pará. O projeto segue agora para apreciação do Senado. A obra, uma das mais polêmicas já projetadas no País, pode afetar diretamente a vida de nove povos indígenas que vivem na região e vem suscitando mobilizações e intensos protestos do movimento social da Amazônia nos últimos dezessete anos (veja o especial A Polêmica de Belo Monte).

Desde o final dos anos 1970, sucessivos governos tentaram implantar a UHE, originalmente denominada Kararaô. Em 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) paralisou a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) sobre o projeto atendendo um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que então argumentava a inexistência de autorização do Congresso Nacional para o empreendimento. O governo Lula assumiu seu mandato com a promessa de rediscutir e reavaliar a implementação da usina.

A resistência das populações locais à obra mantém-se firme mesmo com as várias alterações incluídas nos planos originais: o reservatório da usina passou de 1.225 para 400 quilômetros quadrados e a estimativa de energia que poderá ser produzida, segundo o governo, passou de 11 mil para 5 mil megawatts. Além dos povos indígenas da região, a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), o Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri/Regional) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre várias outras organizações, são contrários à construção. A principal reclamação desses setores é de que nunca foram ouvidos em relação ao problema durante todo este tempo. A Constituição Federal afirma que o aproveitamento dos recursos hídricos em Terras Indígenas só pode ser efetivado com “autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”.

Comunidades querem ser ouvidas

“Os governos anteriores sempre quiseram enfiar o projeto goela abaixo. As comunidades nunca foram ouvidas ou foram ouvidas de forma tendenciosa. Isso continua do mesmo jeito”, critica Antônia Melo da Silva, coordenadora regional do GTA. Ela conta que muitas das empresas interessadas no empreendimento já estão divulgando que ele foi autorizado. “O que sempre reivindicamos é a elaboração de um estudo para o desenvolvimento econômico sustentável de toda a Bacia do Xingu, que apontasse alternativas como a pesca e o turismo ecológico.” Antônia diz que o grande movimento que lutou contra Belo Monte durante os anos 1990 irá retomar suas ações a partir de agora. De 13 a 15 de julho, em Altamira, um seminário com a presença de vários especialistas irá discutir com a comunidade todas as implicações da construção da usina. No dia 14, também será lançado o livro Tenotã-Mõ, Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no Rio Xingu, que tem a participação do ISA (confira serviço abaixo).

“Os estudos não foram concluídos. Então como o Congresso pode autorizar alguma coisa que não conhece? Além disso, a Constituição deixa claro que as comunidades afetadas devem ser ouvidas antes da autorização”, defende o advogado do ISA Raul Silva Telles do Valle. Ele lembra ainda que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, também fala em “anuência prévia” das comunidades interessadas sobre projetos semelhantes. “Esta autorização é ilegal e inconstitucional.”

O deputado Fernando Ferro (PT-PE), autor do PDC 1.785/05, acredita que ele se refere apenas à permissão para o reinício e a revalidação de estudos preliminares e que as comunidades locais serão consultadas a partir de agora. Apesar disso, o texto aprovado pela Câmara afirma que “é autorizado o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte (…) após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessário.” Por outro lado, o deputado também não esconde sua posição favorável à usina. “No curto prazo, o País só tem duas alternativas para sua necessidade de energia: ou aproveitamos o potencial hidrelétrico da região Norte ou investimos em usinas nucleares. Em relação a estas últimas sou contra.” O parlamentar considera que os impactos ambientais e sociais de Belo Monte podem ser mitigados.

Falso dilema

"Optar entre a construção de hidrelétricas ou de usinas nucleares é um falso dilema. Se não discutirmos seriamente o destino da energia gerada e quais são os limites socioambientais para a expansão das usinas, em médio prazo teremos que aceitar a construção de hidrelétricas e também de usinas nucleares”, avalia Raul Silva Telles do Valle. Ele defende que é preciso rediscutir não só formas de melhor aproveitamento da energia elétrica mas, principalmente, a opção de continuar direcionando 27% de toda a energia gerada apenas para as indústrias eletrointensivas, como a de alumínio, de siderurgia e de celulose. “Só para citar um exemplo, a quantidade de energia utilizada para produzir alumínio para exportação, no ano de 2000, seria suficiente para abastecer mais de 870 mil famílias durante oito anos. Temos, portanto, que avaliar se realmente é necessário expandir dessa forma, a um custo social e ambiental altíssimo, a geração de energia."

Para o deputado Fernando Ferro o que existe é um certo preconceito em relação às hidrelétricas. “Este tipo de opinião é motivado por interesses de alguns setores industriais que querem investir em outras alternativas energéticas, como as termoelétricas”. O parlamentar insiste que o PDC apenas pretende regularizar o andamento de estudos que já têm mais de 20 anos. “Em sua ação, o MPF deixa claro a necessidade de autorização do Congresso Nacional. A partir de agora, essas pesquisas poderão ser aprofundadas.”

O passo que faltava

O deputado Zé Geraldo (PT-PA), que tem sua base eleitoral na região e conhece os movimentos sociais locais, também considera que o prosseguimento dos estudos sobre a usina atende uma expectativa legítima e que a posição contrária à obra não é majoritária entra as organizações da sociedade civil. “De qualquer forma, as cidades da região precisam saber se vai haver ou não hidrelétrica. Depois dos estudos podemos sentar e discutir melhor com todos os interessados.” Apesar de repetir que o PDC 1.785/05 apenas autoriza pesquisas preliminares, Zé Geraldo também não esconde sua opinião sobre a usina: “Existe em todo o País medo de hidrelétrica. Isso ocorre pela maneira autoritária com que elas sempre foram feitas. Agora é diferente. Quanto à posição contrária de alguns setores, temos de discutir se ela é a mais correta.”

Zé Geraldo nega ainda que o governo esteja impedindo qualquer tipo de discussão sobre o problema. Questionado sobre a necessidade de o Congresso ouvir as populações atingidas, o deputado também acha que o momento propício ocorrerá a partir de agora. “O governo Lula já está indo para o segundo semestre de seu terceiro ano. Se tivermos de ouvir as comunidades antes disso… Acho que tem de ser assim, mesmo porque não há questionamento sobre a legalidade dos estudos em si.” O parlamentar não deixa dúvida sobre a intenção da administração Lula em relação à obra: “O governo tem toda a vontade de começar a construção da usina”.

Em virtude da pressão exercida por vários setores econômicos e da disposição da administração Lula em levar adiante empreendimentos desse tipo, a aprovação definitiva do PDC pelo Senado poderá ser considerado, na prática, o passo que faltava para o início efetivo da obra. A ascensão da antiga ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff,

ao cargo de chefe da Casa Civil da Presidência da República acrescenta mais um componente a uma conjuntura já favorável à construção de novas hidrelétricas no País. A pretensão do governo federal em implantar projetos semelhantes (sem discutí-los com a sociedade e apesar dos protestos de vários segmentos organizados) pode ser exemplificada também pela concessão da Licença de Operação, no último dia 5 de julho, à usina de Barra Grande, na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul. A obra foi feita com base em um EIA reconhecidamente fraudulento e é apontada como o maior escândalo ambiental dos últimos anos (confira).

Um dos vários pontos polêmicos sobre Belo Monte continua dizendo respeito ao real potencial energético da usina – mesmo depois da redução da estimativa originalmente prevista. Por simulações feitas para o período de 1931 a 1996, a usina só seria capaz de garantir uma potência de 1.356 MW ao longo do ano, com picos de 5 mil MW durante apenas três meses, aponta o professor Oswaldo Sevá, da Unicamp, em artigo do livro Tenotã-Mõ. Isto é, a potência máxima de 5 mil MW apregoada pelo governo só seria possível durante uma pequena parte do ano.

Minas Gerais decide taxar indústria e agricultores que usam grandes volumes de água

Em uma iniciativa inédita no País, o governo de Minas Gerais decidiu taxar indústrias e agricultores que usam grandes volumes de água em sua produção. O projeto que regula o tema foi enviado nesta segunda-feira (21) à Assembléia Legislativa do Estado. O texto prevê cobrança no uso da água que é retirada diretamente da fonte, como lagos e rios.

O valor da taxação e o volume sujeito à multa serão divulgados amanhã (22). Segundo a assessoria de imprensa do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), o aumento não será repassado ao consumidor comum.

O coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra, Roberto Malvezzi, que também faz parte da coordenação latino-americana de luta pela água como direito, afirma que Minas Gerais é o primeiro Estado a aplicar a cobrança prevista na lei de Recursos Hídricos (9.433/97). No entanto, ele explica que o Comitê Nacional de Recursos Hídricos seria a entidade competente para estabelecer os critérios de cobrança. "O governo mineiro está assumindo uma grande responsabilidade".

Malvezzi acredita que deveria haver ainda uma sobretaxa para quem utiliza a água com fins lucrativos. Para o coordenador, este a água deve cumprir o que ele define como "papel social", ou seja, atender à população. Por isso, Malvezzi ressalta que "o Comitê define que a taxação será aplicada com um sentido pedagógico".

O coordenador da Internacional do Serviço Público no Brasil (ISP), Jocélio Drummond, acredita que a iniciativa do governo mineiro é positiva porque aumentará a conscientização no consumo. No entanto, ressalta que, caso a norma seja aprovada, será preciso um maior controle do uso. "A fiscalização é fundamental para evitar aquela idéia do ‘pagando, vale tudo", explica.

Drummond diz que, no caso de Minas Gerais, esse temor é justificado. Isto porque, segundo ele, o Estado é um mau exemplo deste controle. O coordenador afirma que, lá, a multinacional Nestlé usa a água mineral da cidade de São Lourenço de maneira equivocada, pois a desmineraliza e engarrafa. "O que a natureza levou mais de 70 anos para fazer acaba perdido com a retirada dos minerais. E o governo local não faz nada", desabafa.

Governo poderá cobrar uso da água para financiar saneamento ambiental

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, aprovou hoje (21), por unanimidade, a proposta de resolução que estabelece a cobrança pelo uso de recursos hídricos. Com a resolução, todo o segmento da sociedade que utilizar a água de determinada bacia hidrográfica pagará uma taxa referente ao seu uso. A medida abrange desde o segmento industrial até o cidadão comum. As taxas serão estabelecidas pelo próprio comitê de bacia hidrográfica da região, de acordo com as necessidades locais.

O presidente da Câmara Técnica de Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos, Décio Michellis Júnior, explica que a cobrança será feita nos moldes de uma taxa de condomínio, já que os próprios componentes dos comitês das bacias hidrográficas é que definirão o seu valor e onde o recurso será aplicado.

"A cobrança é proposta no ambiente do comitê da bacia, aprovada pelo respectivo conselho estadual ou nacional e a partir daí vira uma taxa condominial, todo mundo que usa água naquela bacia se compromete em pagar um valor que varia dependendo do segmento do usuário. Ela não é um novo imposto, é algo decidido tal como um investimento numa reunião de condomínio", explica.

De acordo com Michellis, a resolução aprovada hoje servirá como um instrumento de referência para que as bacias definam seus próprios critérios de cobrança e investimento. "Hoje sem dúvida nenhuma o grande déficit de investimento é na área de saneamento ambiental, não só levar água tratada, tratar os efluentes e os esgotos, mas também todas as outras ações de saneamento ambiental, como resíduos sólidos, lixo, a limpeza pública, poda de árvores, essas sem dúvida são as prioridades de investimento, mas isso é definido no ambiente do comitê da bacia", explica o técnico.

A experiência da cobrança pelo uso da água já começou na região do rio Paraíba do Sul, que abrange os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O comitê é o único de um total de 100 existentes que já iniciou a cobrança pelo uso da água. Somente para este ano, a Agência Nacional de Águas (ANA) prevê que a cobrança da taxa nessa bacia deverá gerar recursos da ordem de R$ 12 milhões. Se forem tomados como referência os valores praticados pelo comitê do Paraíba do Sul, a nova taxa deverá representar um aumento de no máximo dois por cento na conta de água do consumidor final.

Michellis explica que a nova taxa não deve ser confundida com o que a população já paga às concessionárias regionais de água, valor que se refere exclusivamente aos serviços de captação, tratamento e distribuição da água. "A nova cobrança é pela utilização deste bem público, que é a água". Desde 2000, cada usuário também paga imbutida na conta de energia elétrica uma compensação financeira pela utilização de recursos hídricos que representa aproximadamente três por cento do valor da conta de energia. "Mas esse recurso é modesto, representa R$ 100 milhões para o país inteiro. Se formos olhar só o déficit de investimento na área de saneamento isso representa mais de R$ 178 bilhões", justifica.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diz que a cobrança pelo uso da água faz parte da implementação do sistema nacional de recursos hídricos. Ela também garante que o dinheiro não sofrerá contingenciamento orçamentário. "O processo de cobrança pelo uso da água em benefício da bacia é uma decisão democrática no âmbito dos conselhos de recursos hídricos e a decisão do governo de que esse dinheiro será utilizado prioritariamente na recuperação da bacia sem sofrer contingenciamento também é uma conquista", afirmou.

Durante a reunião, o CNRH aprovou o envio de uma moção ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, recomendando a instituição da Década Brasileira da Água. A década terá início amanhã (22), data em que se comemora o Dia Mundial da Água. O documento diz que o objetivo da moção é priorizar nos próximos dez anos políticas e ações orientadas para mobilizar sociedade e governo para que enfatizem a importância da participação social e da responsabilidade comum na proteção e no uso sustentável da água.

Comitê da Bacia do São Francisco pede compromisso do governo com a revitalização do rio

Brasília – O governo apresentou no início de setembro as diretrizes básicas do Programa de Desenvolvimento Sustentável para o Semi-Árido e para a Bacia do Rio São Francisco. Dentro dele, está o projeto de interligação das bacias, mais conhecido como transposição das águas. Os ministros da Integração Nacional, Ciro Gomes, e do Meio Ambiente, Marina Silva, enfatizam que a transposição é "apenas um dos pontos" para o semi-árido.

No próximo ano, o orçamento prevê R$ 1 bilhão para o projeto de interligação das bacias. A revitalização possui uma reserva de 10% desse valor. Em 2004, segundo Marina Silva, R$ 17 milhões foram gastos com a revitalização – recuperação das matas ciliares e dos solos, desassoreamento da calha, tratamento adequado das águas por meio do controle dos dejetos despejados no rio.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, formado pela sociedade civil e pelas três esferas de governo, apresentou um planejamento para o uso dos recursos hídricos da bacia para os próximos 10 anos. O plano estima que serão necessários R$ 5,2 bilhões para recuperar e revitalizar todo o rio.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o secretário-executivo do Comitê, Luiz Carlos Fontes, explica como vê a tentativa do governo de conciliar revitalização e transposição. "Precisamos ter uma medida justa para revitalização, um compromisso que assegure que isso não vai ficar apenas restrito a um primeiro momento. Acredito que o governo tenha mecanismos de nos dar um conforto que essa obra não ficará sujeita a variações anuais e que valores serão aprovados no Orçamento da União. Entendo que o valor apresentado nesse momento é uma sinalização, mas não é nem de longe o valor que a gente precisa para revitalização da bacia", diz.

Agência Brasil: Como o Comitê avalia a proposta do governo para transposição do Rio?

Luiz Carlos Fontes: O comitê se reuniu em Juazeiro, no final de julho, e mediante associação do pedido de vistas da nossa deliberação sobre a possibilidade de uso ou não das águas do São Francisco para atender outras bacias para transposição. Nós atendemos uma associação do governo federal por um adiamento dessa decisão e finalizamos naquela ocasião que estaríamos dispostos a dialogar com governo federal desde que se propusesse uma negociação com a bacia, mas solicitamos que o governo apresentasse um projeto de desenvolvimento sustentável integrado do semi-árido brasileiro que inclua, portanto a própria bacia do São Francisco.

A ministra Marina Silva e o ministro Ciro Gomes nos apresentaram um esboço, uma proposta inicial do que poderia vir ser um projeto desse para Bacia São Francisco. Então, nessa perspectiva de uma proposta inicial, nós recebemos com satisfação a proposta porque significa que o governo, após muitos desencontros e declarações desencontradas, mas enfim está se propondo a uma negociação real com a Bacia São Francisco. Mas é cedo ainda para a gente antecipar sobre o conteúdo desse plano porque como ele está em uma proposta de uma forma muito inicial a gente vai aguardar o detalhamento da proposta do governo que vai ser apresentada pelo secretário João Bosco Senra [Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente] até o final de setembro, porque ele que fez o pedido de vistas do processo no âmbito do comitê.

ABr: O Comitê já se pronunciou contra o uso de águas da transposição em grandes projetos de irrigação. A organização vai manter essa posição?

Luiz Carlos: De fato. O Comitê tem sinalizado que só concordaria realmente com o uso das águas para abastecimento humano e uso animal. Inclusive, isso foi reforçado nas rodadas de consultas públicas que realizamos na ocasião de elaboração do Plano Decenal dos Recursos Hídricos. Agora, diante da possibilidade que se abriu de negociação com o governo, então nós vamos reexaminar a matéria. O que o governo está propondo ao Comitê é que os usos não estejam restritos ao uso humano e animal, que o comitê aceite também que esses usos se estendam à irrigação, à psicultura, à criação de camarões, etc.

Nós não podemos antecipar qual que vai ser a posição da bacia. A possibilidade da bacia, aqueles que representam a bacia aceitarem esse uso vai ficar na exata medida da proposta que o governo oferecer para investimentos em revitalização da bacia do São Francisco, na sua recuperação dos danos e do sócio-ambiental já existente e dos próprios investimentos em irrigação da Bacia São Francisco.

Queria chamar atenção para um fato muito importante: quando se tira água do São Francisco, para digamos Ceará, Rio Grande do Norte, interior da Paraíba, está se tirando água de um semi-árido para outro semi-árido. O semi-árido da Bacia do São Francisco representa 60% da bacia, da bacia que tem os mesmos problemas desses estados do Nordeste Setentrional.

Então, quando a água é para abastecimento humano nós entendemos que ela é extremamente prioritária. Quando é água para irrigação e outros usos econômicos, nós temos que confrontar entre custos e benefícios na região que pretende ser beneficiada da região que está doando. Então, é um processo de negociação. E o nossa grande embate com o governo tem sido que o governo dizia que ia decidir unilateralmente sobre esses usos e nós entendemos que isso ia gerar um conflito com a bacia e não podíamos compactuar que a bacia não tivesse o direito de se decidir em uma questão como essa.

A questão que se apresenta após a reunião com a ministra Marina e o ministro Ciro é que o governo está propondo um processo de negociação com a bacia. A gente fica na expectativa de qual vai ser a receptividade dessa proposta e se o governo vai apresentar uma proposta em um nível sólido e de compromisso.

Comitê elaborou plano para uso do rio São Francisco nos próximos 10 anos

Brasília – Em julho deste ano, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco se reuniu em Juazeiro, na Bahia, para aprovar o Plano Decenal de Recursos Hídricos, que prevê critérios para utilização das águas, fiscalização dessas metas e até os detalhes das cobranças pelo uso dos recursos hídricos durante os próximos 10 anos.

“Nesse plano é onde o comitê define o uso das águas, quanto de água pode ser usado, que vazão precisa ser mantida no rio para garantir a biodiversidade. Trata de questões sobre o plano de investimentos para recuperação da bacia. Enfim, sobre a cobrança pelos recursos hídricos, quais são as diretrizes dessa cobrança vir a ser implantada na bacia”, afirma o secretário-executivo do Comitê, Luiz Carlos Fontes, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O Plano Decenal não pretende servir apenas como peça de decoração. A própria Lei das Águas, aprovada em 1997, estabelece que o Comitê deve acompanhar e fiscalizar sua aplicação. “A Lei das Águas nos dá poderes normativos, não é um plano apenas no sentido de apenas planejar, mas a gente tem a possibilidade também de estabelecer normas para os usos das águas. E quando a gente desdobrou o plano e fez essas deliberações, uma delas tratava da possibilidade de uso externo das águas do São Francisco, o que está no cerne de toda essa questão”, afirma em referência ao projeto de transposição da águas.

Na declaração de Juazeiro, o Comitê reafirma sua “inteira concordância” com o projeto de interligação para abastecimento humano e dessedentação animal no semi-árido”, mas discorda de sua utilização em grande projetos de irrigação, por exemplo. “Entretanto, reitera mais uma vez sua firme oposição aos projetos de obras hídricas faraônicas, de custo excessivo e retorno duvidoso, que se façam em detrimento das incontáveis ações e projetos que, dentro e fora da bacia, possam efetivamente provocar processos endógenos de desenvolvimento local, distribuição de renda, recuperação ambiental e melhoria da qualidade de vida das populações da bacia e do semi-árido”, cita o documento.