Cachorro-vinagre será estudado pela primeira vez

Cachorro_vinagre.jpgPela primeira vez, pesquisadores brasileiros poderão monitorar o cachorro-vinagre na natureza. Apesar de estar entre os canídeos mais ameaçados de extinção do país, a espécie em seu estado selvagem ainda é um mistério para os estudiosos. O próprio bicho tem aura de uma lenda, já que é extremamente difícil de ser capturado e dificilmente se deixa mostrar. Raro e arredio, o cachorro-vinagre também é confundido com outros carnívoros.

A partir da captura de três indivíduos esta semana em terras particulares na região do município de Nova Xavantina, no Mato Grosso, o mito passa a dar lugar à ciência. “Para o bem dos cachorros-vinagre”, pondera o biólogo Edson de Souza Lima, um dos responsáveis pelo monitoramento que será feito a partir de agora com a ajuda de rádios-colares instalados no pescoço por radiotelemetria para fornecerem os dados necessários à pesquisa.

Coordenado pelo especialista em carnívoros da Universidade Estadual de Mato Grosso e Associação Pró-Carnívoros, Júlio Dalponte, o projeto recebeu financiamento de US$ 5 mil da Sociedade Zoológica de Chicago para estudos preliminares com duração de um ano. “A continuidade da pesquisa com a espécie depende de mais investimentos”, diz Dalponte.

A espécie possui ampla distribuição nos neotropicos, mas as alterações ambientais tornam cada vez mais difícil a sobrevivência do cachorro-vinagre, já que ele desaparece tão logo ocorra o desmatamento. O que se sabe até o momento sobre ele deve-se ao trabalho desenvolvido com indivíduos cativos.

Os estudos tentarão desvendar a área de vida da espécie, padrão de movimentos, demografia e outros aspectos ecológicos da espécie.

O cachorro-vinagre é um animal de médio porte. Um adulto pesa cerca de cinco quilos, tem aproximadamente setenta centímetros de comprimento e vinte e cinco centímetros de altura. Sua cauda é curta. Tem pelos amarelados sobre a cabeça e restante da pelagem com a cor do vinagre, o que lhe confere o nome popular.

Além dele, existem no Brasil outras cinco espécies de canídeos, grupo pertencente à ordem dos Carnívoros. Entre elas outras duas encontram-se ameaçadas de extinção: o lobo-guará e o cachorro-de-orelha-curta.

O Brasil encontra o seu centro: O Centro-Oeste no Projeto Nacional

George de Cerqueira Leite Zarur,
Economista e Antropólogo, Ph. D pela Universidade da Flórida, Ex pesquisador visitante da Harvard University.

O olhar sobre a imensidão dos mapas do Brasil, do começo do século XX, contendo grandes manchas de cores diferentes, com o dizer “região desconhecida”, mantinha os brasileiros em permanente estado de ansiedade. Afinal, como demonstrou o historiador Rocha Pombo, cuja tese foi assumida por Darcy Ribeiro, a geopolítica corrente associava o Estado Nacional brasileiro com um continente, delimitado pela rede hidrográfica, que se confundiria com área de expansão dos grupos do tronco lingüístico Tupi. Se o Brasil era uma ilha ou um continente, por lógica, nossos vizinhos hispânicos só poderiam ser, mesmo os mais interioranos andinos, água salgada do mar ou uma forma especial de vida marinha. Se chegassem muito próximos, e representassem uma ameaça, eram promovidos a seres humanos, piratas ou “mouros na costa”.

A “Ilha Brasil” era delimitada ao Sul pelos rios da bacia da Prata. Portanto, não deixou de ser um problema – especialmente estético, pois prejudicava a perfeição do modelo e dos mapas – a perda da Cisplatina. A guerra do Paraguai e a resolução da questão de Palmas, com a Argentina, iriam reforçar o conceito de “Ilha Brasil”, ao associar as fronteiras políticas a limites fluviais compatíveis com a noção de uma entidade natural e cultural aparte, cuja identidade se perderia no passado, dada a presença hegemônica dos índios Tupi em seu território.

Se de um lado preocupavam-se os brasileiros com formas de vida agressivas, próximas ao seu sagrado e antigo território – aquela conhecida por “argentinos” era a pior – havia outras mais distantes, porém mais perigosas. Caso particularmente grave, cujo desfecho fez muita gente pensar que “Deus é brasileiro”, foi o da pressão norte-americana pela livre navegação na Amazônia, logo após a abertura, à força, dos portos japoneses, em meados do século XIX. Ao que tudo indica, não recebemos a visita da esquadra estrangeira devido à eclosão da guerra de secessão nos Estados Unidos. Tal coincidência manifesta, de forma inequívoca, a preferência divina a nosso favor, amplamente confirmada por nossos sucessos posteriores nos campos de futebol.

A ocupação desses “espaços vazios” (em geral, não o eram, devido aos índios que neles viviam) tornou-se o próprio centro do projeto nacional, realizando a identidade geográfica e cultural brasileira, como um continente autônomo.

Sucedendo às entradas patrocinadas pela colônia, pouco fez o império para ser lembrado na história da colonização do interior brasileiro. Sua ação principal, neste sentido, foi a atração de imigrantes europeus de São Paulo ao Rio Grande do Sul. A guerra do Paraguai, embora com importantes conseqüências para a definição das fronteiras políticas não foi resultante de uma proposta estratégica sistemática.

O nacionalismo geográfico seria retomado com a Expedição Rondon, ao mapear, de 1906 a 1910, uma área, aproximadamente, do tamanho da França. Já Getúlio Vargas resolveu reassumir o projeto, rico em imagens simbólicas de bandeirantes e desbravadores dos sertões, através da Expedição Roncador-Xingu, da qual se originaria a Fundação Brasil Central. É aqui que entram os Villas-Boas, abrindo picadas e campos de pouso, a partir da década de 40 e entrando em contacto com índios isolados. Para abrir o Brasil Central à colonização, foi absolutamente estratégica a “pacificação” dos índios xavantes, por Francisco Meirelles, também nos anos 40. Os xavantes fechavam uma grande área a Oeste do Araguaia, uma vez que defendendo seu território, atacavam os que ali se arriscavam. Diferentes expedições do antigo Serviço de Proteção aos Índios, que buscavam um contacto pacífico com os xavantes, acabaram com a morte de todos os seus membros.

Veio Brasília, vieram a estradas unindo Brasília a quase todo o País. O autor deste artigo, em suas primeiras incursões ao Xingu, como estudante de antropologia, em 1965, ainda se lembra de Goiânia, uma cidade pequena, sem nenhum prédio mais alto. De um velho DC3 da FAB, que poderia levar semanas para chegar a Goiânia, com bancos de metal para o transporte de tropas, carregando todo tipo imaginável de carga e das escalas, freqüentemente com pernoite, em Aragarças e Xavantina, antes de pousar no atual Posto Leonardo, no Parque do Xingu.

Aragarças e Xavantina, cidades criadas a partir de bases da Expedição Roncador-Xingu, eram habitadas por funcionários da Fundação Brasil Central, cujo emprego era o de ali morar e, vez por outra, comunicar-se pelo rádio com outros centros semelhantes e com a sede em Brasília. Sua função era a de ocupar o território para o estado brasileiro. Aragarças era muito maior do que Barra do Garça, do lado matogrossense do Araguaia, ao contrário do que acontece hoje. Xavantina tinha uma meia dúzia de casas ao redor de uma antena de rádio e o indefectível “hotel de trânsito”, abrigado em uma casa velha. Depois vinha o Xingu, com seus índios ainda semi-isolados, e alguns, como o Txicão, efetivamente isolados.

Em uma das primeiras vezes que estivemos no Xingu, tivemos que correr alguns quilômetros, na companhia de outros jovens estudantes, uma vez que os Txicão estavam atacando outros índios na proximidade. Uma flecha cravada em uma árvore, interpretada como um aviso, serviu-nos de poderoso estímulo, aumentando, em muito, nossa velocidade.

Hoje, o Brasil Central está ocupado pelo estado e pela sociedade brasileiros. Aos exploradores sucederam-se os fazendeiros com a tecnologia de soja e de capim braqueara da EMBRAPA. Resta a Amazônia, mas a idéia do ignoto deixou de existir, no tempo dos levantamentos por satélite e dos GPS.

Embora os tempos heróicos não estejam mais conosco, novas bases ideológicas, apoiadas na ecologia, se superpõem ao nacionalismo geográfico. Uma população densa e homogênea não parecer fazer sentido em áreas equatoriais de floresta e nem representa uma necessidade para a afirmação da identidade nacional. O uso econômico da floresta, pelas populações que nela habitam, com uma tecnologia baseada no aproveitamento das espécies naturais; no manejo cuidadoso da mata; na indústria pesqueira fluvial; e principalmente, na exploração da biodiversidade para o desenvolvimento de alimentos e remédios, originam um novíssimo paradigma, indispensável a uma ocupação bem sucedida da Amazônia.

Se conseguirmos ocupar a Amazônia, preservando a floresta como sua maior riqueza e respeitando as populações indígenas e caboclas, teremos mais um motivo para reafirmar, com orgulho, nossa identidade nacional.

Sexta-feira, 11/05/2001

A palestra no Colégio Municipal JK foi muito bacana. Falamos para uma platéia de 8a série a 3o ano sobre um pouco da história da colonização do Brasil Central e o nosso projeto. É gratificante poder mostrar um pouco do nosso trabalho e tocar num assunto tão importante para a região e que normalmente não é ensinado. Depois da palestra, um professor de história da escola disse que pretendia incluir o assunto no currículo.

palestraescola.jpgQuando acabamos o sermão, montamos o computador e os equipamentos pra mostrar como funciona a publicação na Internet. Tiramos várias fotos com a câmera digital, que sempre faz o maior sucesso. O que nos deixou sem jeito foi a sessão de autógrafos não planejada. Morremos de vergonha, mas tiramos a maior onda. 🙂

Convidados pela direção do Colégio JK, conversamos com os alunos sobre a Expedição Roncador-Xingu, respeito ao meio-ambiente e às tradições indígenas. Foto: Fernando Zarur

Em seguida, tocamos para Água Boa com dois dias de atraso. A Lúcia, nossa anfitriã, agora não vai ter mais quem queimar o cabo da panela de pressão e acabar com a dispensa. Agora um jabazinho mais que merecido: fica a dica para quem pretende conhecer o lado místico e as belezas da região, basta ligar para 0xx65 438-2028 e procurar Lúcia Kirsten.

Agradecemos também a Carol, pela ótima companhia e orientação, ao Adão, que matou trabalho pra nos levar ao garimpo, e aos entrevistados: Zé Goiás, Seu Raimundo, Sinvaldo Rodrigues, Archimedes Carpentieri, Seu Godofredo, Pe. Bartolomeo Giaccaria, Marcos Piza Pimentel e a todos que nos receberam.

A partir de agora escrevemos diretamente de Água Boa.

Padre Giaccaria, elo entre a Igreja e os índios

Seguindo a tradição de catequização da igreja Católica, a ordem dos Salesianos atua no Mato Grosso desde 1894. Alguns dos primeiros religiosos que estiveram na região sofreram fins trágicos, como os padres João Funcks e Pedro Socilotte, massacrados pelos Xavantes. Apesar disso, as missões continuaram no início do século XX, contatando povos como os Bororos, Carajás e empreendendo seguidas tentativas de atração dos Xavantes. Padre Hipólito Chovelon, Mestre Francisco Fernandes e Padre Pedro Sbardellotto, são alguns dos que visitaram o território desde o final da década de 1930.

padregiaccaria.jpgO Padre Bartolomeo Giaccaria, italiano naturalizado brasileiro, continua esse trabalho, com mais de 45 anos de experiência entre os Xavantes. Pós-graduado em antropologia pela Universidade de Brasília em 1980, o pároco é autor de diversos livros como “Xavante, Povo Autêntico”, “Jerônimo Xavante Conta”, além de cartilhas e projetos de educação envolvendo os índios e suas tradições. Entre suas publicações mais conhecidas, está o primeiro dicionário Xavante-Português, uma iniciativa pioneira escrita em 1958.

“O maior absurdo é que várias das plantas nativas que utilizo em meu trabalho estão patenteadas pelos americanos”. Foto: Fábio Pili

Além da produção acadêmica, padre Giaccaria, 69 anos, desenvolve pesquisas com plantas medicinais, especialmente com espécies nativas do cerrado. Trabalhando num pequeno herbário montado em Nova Xavantina, ele prepara emplastos, xaropes e outros remédios naturais. “Esta foi uma maneira de contornar os problemas do abastecimento farmacêutico na região e nas aldeias”, explica o padre.

Grupo – Em que ano o senhor começou seu trabalho entre os Xavantes?

Pe. Giaccaria – Eu vim para o Brasil em 1954 e passei dois anos em Campo Grande. Só em 1956 é que vim para a Missão de Sangradouro, onde trabalhava como professor. Lá nós ensinávamos aos filhos de fazendeiros de cidades vizinhas, como Poxoréu e Barra do Garças, além dos índios bororos. Mas nesta época os bororos já estavam sumindo, eles foram todos dizimados ou aculturados. Logo depois, em 57, comecei a trabalhar com os xavantes.

Grupo – Nesta época o senhor conheceu o trabalho da Expedição Roncador-Xingu e dos Villas Bôas?

Pe. Giaccaria – Para mim eles encaravam o índio como um obstáculo ao progresso. Acho que o trabalho dos Villas Bôas era limpar a região para o desenvolvimento, eles ligavam mais para este progresso. A idéia era fazer obras como a estrada Cuiabá-Santarém. Eles também nunca permitiram a presença de padres dentro do Parque do Xingu, então não sei ao certo como é a situação dos índios lá dentro.

Grupo – Como o senhor encara a filosofia de trabalho da igreja naquela época e hoje em dia?

Pe. Giaccaria – Quando em vim para o Brasil tínhamos uma visão muito romântica e fantasiosa da região. Na época o trabalho da igreja era no sentido de integrar o índio. Hoje, nós deixamos isso de lado, mas esta é uma questão muito complexa. Não dá pra falar assim. Nosso trabalho atual é de explicar melhor o porquê das coisas. Além disso, respeitamos a maneira como eles expressam seus ritos. Nas missas usamos cantos tradicionais deles e eles mesmos se organizam para fazer um batizado, por exemplo. Existe até um índio que vai se tornar padre, o nome dele é Aquilino. Portanto, eles incorporam tudo isso. Boa parte do meu trabalho visa a preservação cultural, especialmente da língua indígena. Por isso produzi a primeira cartilha bilíngüe Xavante-Português. Neste sentido, nos esforçamos para prepará-los melhor para o contato com os civilizados. Os choques culturais são inevitáveis, mas não adianta isolá-los.

Grupo – Porque o senhor começou a trabalhar com plantas medicinais?

Pe. Giaccaria – Pela necessidade. Eu via crianças com feridas nas mãos, velhos com problemas de reumatismo e não havia muito suprimento de remédios para ajudá-los. Então, comecei a ler e estudar sobre as propriedades de cada espécie. Preparo um emplasto, por exemplo, que é bom para quase todo tipo de problemas de pele no qual uso cerca de 15 plantas como babosa, hortelão, orégano e própolis. Dessa forma, atendo a cerca de 80 aldeias com mais de 12,000 xavantes. O maior absurdo, porém, é que várias das plantas nativas que utilizo em meu trabalho estão patenteadas pelos americanos. São plantas aqui do cerrado, utilizadas pelos índios a milhares de anos, como o urucum, a sucupira e o quebra-pedra. Essas são apenas as que eu lembro agora, e eles ainda estão estudando outras sete mil plantas brasileiras.

Quarta-feira, 09/05/2001

Recebemos uma notícia que deixou o dia um pouco turbulento. Teremos que alterar o roteiro da viagem, pois o cacique Xavante da aldeia de Pimentel Barbosa, Supitó, vai estar em Brasília no dia em que entraríamos na reserva indígena. Sem problemas. Conversamos com o Guilherme Carrano, nosso apoio na Funai, e acertamos tudo.

Início da semana que vem devemos estar entrando, via Rio Kuluene, no Xingu, onde ficaremos uns 15 dias. Saindo de lá, teremos o privilégio de acompanhar a furação, o ritual de passagem dos xavantes em que os jovens têm suas orelhas furadas com osso de onça.

Pedro Ivo

A natureza como alternativa

Situada numa região de rara beleza natural, Nova Xavantina, MT, encontra-se numa posição estratégica para o turismo. Cercada pela Serra do Roncador e cortada pelo Rio das Mortes, a antiga área mineradora tem um enorme potencial não aproveitado.

Com parte de seus bens naturais relativamente bem preservados, o município luta hoje pelo aumento da arrecadação de impostos, que decaiu muito com a desativação do garimpo de Araés, em 1996. A prefeitura alega que necessita dessa verba para investir na fiscalização ambiental.

riodasmortes.jpgEntretanto, para algumas pessoas, a melhor alternativa para gerar esta renda e ainda conservar o ecossistema da região seria o ecoturismo. Segundo o ex-garimpeiro e atual proprietário do hotel-fazenda Encantos do Roncador, Valmor Berté, o maior obstáculo para isso é a falta de interesse das administrações em investir no desenvolvimento da atividade. “O que nós temos aqui, o mundo todo gostaria de ter: o misticismo da Serra do Roncador, um grande rio com água pura e aldeias indígenas”, afirma Berté. Em sua opinião seria necessário um apoio maior ao setor para organizar palestras, cursos e outros eventos.

O Rio das Mortes, como vários outros do Centro Oeste brasileiro, sofre com queimadas e mineração nos seus arredores. Foto: Fernando Zarur

Marco Piza Pimentel, Secretário Municipal de Educação e Cultura (responsável pelas áreas de Turismo e Meio Ambiente), alega que todo material sobre os pontos turísticos da cidade desapareceu na gestão anterior. “Estamos fazendo um novo levantamento destes locais, para poder estabelecer como iremos atuar”, explica Pimentel. Segundo ele, a implantação da Faculdade de Turismo, que começará a funcionar em julho na Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), é uma medida que trará benefícios em médio prazo para Nova Xavantina.

Hoje os principais eventos na cidade são a Festa do Peão Boiadeiro e os festivais de praia, realizados no meio do ano. A prefeitura estima que cerca de cinco mil pessoas visitam o município no mês de julho, considerado alta temporada. Mesmo assim, o ecoturismo não ocupa lugar de destaque como geração de renda.

A controvérsia do garimpo

Marcos Pimentel admite a intenção em reabrir o garimpo de Araés, e justifica que a iniciativa trará mil empregos diretos para o município. No entanto, a posição da prefeitura está gerando polêmica. Para Lúcia Kirsten, moradora local, “o garimpo só deixa para as cidades sujeira, criminalidade, doenças e filhos sem pai”. Ela cita como exemplo o garimpo na cidade de Poxoréu, que foi um dos maiores do Mato Grosso. “Hoje essa cidade é pobre, feia e com o rio assoreado. O dinheiro do garimpo é uma ilusão, pois acaba rápido”, conta Lúcia.

Outra conseqüência da reabertura do Araés é o risco à saúde dos trabalhadores e da população vizinha. Como não há nenhum estudo sobre o impacto ambiental na área, a constatação da existência de urânio no local e a possibilidade de despejo de resíduos tóxicos, como cianureto e mercúrio, preocupam os ecologistas e alguns moradores.

Sinvaldo Vieira Rodrigues, ex-garimpeiro, afirma “a única coisa que o Araés já fez foi matar muita gente”. Doente de silicose há cinco anos, ele conta que perdeu seu irmão e mais de sessenta colegas pela mesma doença ou acidentes de trabalho nas minas. Por ter trabalhado sem carteira, ele vive à custa de sua mulher, da ajuda de vizinhos e de uma aposentadoria conseguida há apenas cinco meses no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

Conscientização

Além da ameaça do garimpo, os arredores de Nova Xavantina sofrem com outros tipos de devastação comuns na área. O principal deles é o desmatamento e os incêndios para aumentar os campos de agricultura e pecuária, o que já está causando assoreamento de alguns cursos d’água, como o Ribeirão Antárctico.

Para Lúcia Kirsten o problema é a falta de conscientização. Ela afirma que “as pessoas daqui valorizam mais o que vem de fora. A prefeitura, por exemplo, mandou retirar as árvores nativas da principal rua da cidade para plantar Fícus.” Apesar do descaso, ainda há uma infinidade de ilhas, cachoeiras e córregos bem preservados, mas a moradora, na região desde 1980, afirma que a situação “ainda não é alarmante, mas as pessoas mais antigas, principalmente quem nasceu aqui, já nota a diferença”.

Zé Goiás, bandeirante do século XX

Nascido em Aruanã, Goiás, antiga cidade de Leopoldina, José Celestino da Silva foi mais um dos personagens anônimos que desbravaram o Brasil Central. Zé Goiás, como ficou conhecido em Nova Xavantina (MT), se integrou em 18 de junho de 1946 à Expedição Roncador-Xingu.

Nessa época Seu Zé Goiás era um rapaz franzino de 22 anos, que havia abandonado uma vida de dificuldades no garimpo, onde ganhava um salário de apenas 680 mil réis, com o ideal de se tornar um bandeirante do século XX. Logo no primeiro dia de acampamento, Orlando Villas Bôas pediu que ele saísse para pescar. A pescaria foi tão boa que o sertanista disse: “Esse menino vai enraizar aqui”. Dito e feito. Zé Goiás não só acompanhou desde o início o desbravamento do Brasil Central, mas também ajudou a fundar Nova Xavantina, onde mora até hoje.

Aos 78 anos, o veterano guarda com orgulho fotografias, relíquias e, principalmente, preserva o mesmo ânimo e alegria do tempo da Marcha.

zegoias.jpgGrupo – O senhor acompanhou todo o desenvolvimento dessa região e de Nova Xavantina?

Zé Goiás –Quando cheguei aqui vim de avião, naquele tempo era muito difícil. A primeira vez que passei por cima da cidade pensei onde ficava toda a gente. Aqui só tinha três casinhas de palha. Participei até da missa que fundou a cidade. O pessoal queria dar o nome de São Pedro do Rio das Mortes, mas o Orlando Villas Bôas falou que achava que tinha que dar um nome sobre a origem da cidade. Como aqui era terra Xavante, ficou Nova Xavantina.

"Eu sou um bandeirante do seculo XX(…)". Foto: Fábio Pili

Grupo – Quando o senhor se integrou à expedição?

Zé Goiás – Cheguei aqui em 18 de junho de 1946 pra abrir picada na expedição. Eu queria muito conhecer o Rio das Mortes, aqui tinha muita história, muita lenda. A gente ouvia falar do nego d’água, da mãe d’água, mas nada disso existe não. Eu era muito disposto. No dia 7 de setembro, o Coronel Vanique reuniu o pessoal, tinha umas 20 pessoas. Ele perguntou quem estava disposto a fazer um juramento e eu fui o único que fiz a jura: “Morrer se preciso, matar nunca”. Eu não tinha medo, não (risos).

Grupo – Como era a situação do acampamento no início da Expedição?

Zé Goiás – Era muito dura. Nessa época não tinha carne. Uma vez, seu Acary Passos mandou um pedaço de carne para o Coronel Vanique. Quando os trabalhadores viram o almoço do Coronel, aí fizeram uma greve. Por causa disso foram cortadas 72 pessoas. Vieram dois aviões C47 do Correio Aéreo Nacional para levar o povo de volta pra Aragarças. O avião foi cheio e ficou pouquinha gente. Mar era bom, rapaz, aquele tempo era bom.

Grupo – Havia muita amizade entre os trabalhadores?

Zé Goiás – Aqui estava todo mundo animado pra sair logo com a Marcha, e estava tudo pronto. Demorou muito por causa do suicídio da esposa do Coronel Vanique. A gente ficou por aqui trabalhando no acampamento, limpando, capinando. Era assim, a gente terminava o trabalho, tomava banho e ia jogar baralho, caçar, pescar… Eu mesmo preferia pescar. O pessoal também era muito gozador. Quando os novatos chegavam aqui, eles mandavam a gente pegar uma tal “caixinha de tiché” no almoxarifado. Quando o sujeito chegava lá, o encarregado, Seu João, dava uma bronca danada. Eu já sabia desta história, quando falaram para que eu fosse ir lá, eu respondi: “Não precisa, eu trouxe a minha de casa”. (risos)

Grupo – E como era o trabalho na Marcha?

Zé Goiás – O trabalho era duro, muito duro. Saímos no dia 21 de abril de 1947, dia de Tiradente, a gente saiu daqui e fomos até o (rio) Sete de Setembro. A gente recebia um (revólver) .38, um mosquetão e ia em lombo de burro e a pé. Eu desci com eles até o Garapu e depois voltei de férias. Na volta, vim de avião até o Kuluene. Chegando lá no rio, já tinha o campo de avião. Os índios ajudaram a arrumar tudo, capinando, destocando a área. Ficou pronto em cinco dias. Os índios eram muito fortes, arrancavam os tocos como se fosse mandioca, com raiz e tudo. Eu pegava mel, pescava, mas não comia esses animais impuros do campo, como quati, macaco e etc. Eu também aprendia a ler. De noite a gente amarrava uma linha com um sininho em volta do acampamento. Se passasse bicho a gente ouvia. O Seu Orlando também ensinava a gente a escrever. Quando eu cheguei aqui, não sabia nem assinar o nome. Aí o Seu Orlando me deu uma cartilha chamada “Vamos Estudar” e eu comecei a aprender. Umas duas semanas depois eu já sabia escrever e separar as sílabas.

Grupo – O senhor se orgulha de ter participado disso tudo?

Zé Goiás – Era bom demais. Eu sou bandeirante do século XX! Outro dia apareceu uma mulher aqui na porta de casa pedindo entrevista pra televisão. Logo juntou uma roda de gente para ouvir a história. Eu sempre fui alegre toda vida. Sempre tive muita boa vontade e nunca tive medo. Passei por cobra, índio e estou aqui vivo. (risos)

Terça-feira, 08/05/2001

Leitores,

Hoje não vou detalhar o que fizemos ou deixamos de fazer. Sei que disso você já está careca de saber. Mas vou escrever sobre algo até agora não abordado: o saco que é escrever e atualizar esta página madrugada afora.

Provavelmente você deve achar que estamos vivendo na maior moleza, passando o dia todo de papo para o ar, visitando cachú, andando de barco, tomando cerveja e fazendo outras coisas bacanas. É, concordo que é verdade, até nos divertimos bastante, conseguimos sair da mesmice, do cotidiano de Brasília.

cachoeiranovaxavantina.jpgMas tem também um outro lado, mais cruel (conosco, é claro!). Algo como ‘rapadura é doce, mas não é mole, não!’ Para atualizar diariamente esta página, sério, é uma trabalheira. Escrever sobre algo que não seja besteira, de uma maneira que não seja idiota e sem a intenção de banalizar o que realmente NÃO PODE ser banalizado não é uma coisa fácil. Principalmente quando você está em um lugar onde não conhece ninguém e não sabe nem ao menos onde fica a padaria.

Bem, tudo isso é complicado e meio chato, mas, também, suportável e esperado, pois além de ser um projeto de jornalismo (profissão-encrenca por natureza), ninguém mandou um bando de moleques filhos de papai e metidos a besta se embrenharem no meio do Centro-Oeste. A universidade não pediu, a orientadora também não e muito menos as nossas chefes. Certo.

Cachoeira em propriedade particular nos arredores de Nova Xavantina, um pouco das maravilhas inexploradas da Serra do Roncador. Foto: Fernando Zarur

Mas, como já citei acima, sobra uma questão. Um mínimo de horas de sono por noite, um nada que seja de organização e uma meia hora de tempo livre para o ócio são coisas imprescindíveis. Há dias não conseguimos atualizar a página em um horário normal, que nos permita dormir 8 horas por noite e mostrar aos leitores o fruto de nossa labuta.

Diário, sempre tentamos esquematizar uma hora de finalização, mas não sei por qual motivo, sempre estouramos e passamos a meia-noite no meio da praça, esperando um sinal do espaço para mandar os textos e fotos.

Bem, por hoje é só. Agora são 23:30 do dia 08/05 e vamos começar a atualizar a página. Provavelmente, só por volta de meia-noite e meia vamos terminar…

Bruno Radicchi

PS: esse da foto, parecendo um duende do clipe do Natiruts, sou eu, na cachoeira. Era para o Fábio aparecer também, nadando debaixo d’água, mas quem é o autor da obra é o Fernando, rei da anti-fotografia…

Segunda-feira, 07/05/2001

Começamos bem o dia. A Carol, amiga que fizemos aqui em Nova Xavantina, nos levou (Fábio e Fernando) para dar uma volta pela cidade e visitar alguns dos marcos da fundação. Enquanto isso, Pedro e Bruno estavam entrevistando o Secretário de Educação e Cultura da cidade. No caminho, passamos pela casa da D. Firmina, que tem 81 anos e veio para a cidade por causa de seu marido, piloto da Fundação Brasil Central.

A prosa foi boa, mas o que marcou a manhã foi uma entrevista com o Seu Zé Goiás, figura rara da região que veio para cá trabalhar na Expedição Roncador-Xingu. Sua chegada foi marcada por um causo muito bom. Seu Zé, mulherengo como diz que era, sobrevoou a região do acampamento, que só tinha três casas, e já foi pensando onde ficavam as mulheres do lugar.

Quando desembarcou, a primeira coisa que fez foi perguntar para um companheiro: “Mas onde é que fica a casa das morenas?” O rapaz, mais que solícito, disse que a casa ficava logo ali, no alto do morro. Seu Zé esperou o dia seguinte, tomou um banho, se arrumou e foi pra lá. Quando chegou, descobriu que tinham mandado ele para o curral e que a única morena que tinha lá era uma mula chamada Morena. No dia seguinte, a gozação foi tão grande que até o Coronel entrou na brincadeira.

Fábio

O sumiço do Indiana Jones

serraroncador.jpgMistério é o que não falta na Serra do Roncador. Bandeiras como a de Pires Campos e Anhanguera procuraram durante anos as lendárias Minas dos Martírios, diversas seitas religiosas esperam aqui o surgimento da raça dourada (grosso modo, a fusão de todas a raças) e mais uma série de incontáveis histórias. Porém, o fato mais intrigante e de grande repercussão internacional foi o desaparecimento, em 1925, do Comandante da Guarda Real inglesa, o Coronel Percy Harrison Fawcett. Suas aventuras inspiraram o cineasta Steven Spielberg a criar o personagem Indiana Jones.

Uma das teorias sobre o desaparecimento de Fawcett é que ele haveria, de fato, encontrado o portal para a civilização subterrânea que procurava. Foto: Fernando Zarur

Para se entender melhor sua história é preciso esclarecer certos fatos na vida de Fawcett. Logo no início do século XX, ele serviu no Ceilão (antigo Sri Lanka) e foi vice-rei da Índia. Dizem que nesse período participou de diversos rituais tibetanos e começou a se interessar cada vez mais por esoterismo.

As primeiras andanças do coronel pela América do Sul foram em 1906/1907, quando ele esteve nos Andes e na Amazônia Boliviana. A partir daí organizou sucessivas expedições (1910, 1911, 1913…) pelo continente até o seu sumiço, na década de 1920. O que ele procurava ninguém sabe ao certo.

Segundo o historiador e morador de Nova Xavantina (MT), Archimedes Carpentieri, Fawcett ganhou de Sir H. Rider Haggard, autor do livro As minas do Rei Solomão, uma estatueta que tinha indicações para se encontrar a embocadura de uma cidade subterrânea na Serra do Roncador. “Ele estava à procura de uma civilização remanescente de Atlântida, que desapareceu 9mil anos antes de Cristo”, explica Carpentieri.

O documento 512, conservado na Biblioteca Nacional, descreve ruínas gigantescas e inscrições cuneiformes encontradas no século XVII por um grupo de tropeiros vindos da Bahia. Fawcett obteve uma cópia desse material, o que o ex-senador, Valdon Varjão, diz que “encaixou como uma luva, pois provava que a tal cidade perdida estava no maciço central brasileiro”.

São várias as versões que explicam o desaparecimento do explorador, algumas até um tanto fantásticas. Uma reportagem publicada no jornal Folha da Noite, em abril de 1937, trazia relato de um caçador suíço chamado Stephan Rattin. Ele dizia que encontrou Fawcett prisioneiro dos “índios morcegos”, no interior do Mato Grosso.

De acordo com o sertanista Orlando Villas Bôas, o coronel inglês foi morto por Kuikuros. “Os índios me contaram que mataram o sujeito que batia no peito e dizia ‘miguelesi’, ou seja, ‘mim inglês’”, conta Orlando. Segundo ele, o explorador foi morto a bordunadas (uma espécie de tacape) por pais de dois curumins que Fawcett havia maltratado. Uma suposta ossada do britânico foi encontrada pelo sertanista, porém, a família dele se recusou a fazer o exame de DNA.

Algumas comunidades místicas acreditam que Fawcett cumpriu seus objetivos, achando uma embocadura, ou entrada para a tão procurada cidade intraterrena. Para estas pessoas, isto está comprovado por meio de mensagens que o Coronel enviaria regularmente falando sobre sua vida no interior da terra.

Envolto em mistérios, o destino do militar britânico continua obscuro. Do pouco que existe de concreto sobre o assunto, sabe-se que Fawcett estava confiante no sucesso de sua expedição. Na última correspondência enviada a sua esposa, ele afirmava: “Vou me encontrar com índios selvagens em breve, mas você não deve temer nenhum tipo de fracasso”.